
O primeiro Street Fighter, lançado em 1987 pela Capcom para os Arcades, foi o principal responsável por estabelecer as bases de como um jogo de luta deveria ser. Apesar dos controles truncados e de um leque bem modesto de personagens (que já contava com nomes como Ryu, Ken e Sagat), toda dinâmica presente nos jogos do gênero da atualidade já estava lá há mais de trinta anos: a barra de vida, as partidas cronometradas, a jogabilidade side scrolling, as mecânicas adaptadas de jokenpo: ataque provoca dano, bloqueio anula ataque e agarrão anula bloqueio.
A segunda metade da década de 80 foi a responsável por dar um novo palco para consoles de mesa, após a crise da Atari e do mercado de jogos como um todo. Mesmo assim, Street Fighter não ganhou port para os consoles da época (Nintendinho e SEGA Master System). Apesar de apresentar algo novo na indústria, a criação de Takashi Nishiyama não fez tanto sucesso e por muitos anos o jogo ficou restrito às máquinas de Arcade. Atualmente, o título – alçado à um game cult – pode ser experimentado na excelente e obrigatória coletânea Street Fighter 30th Anniversary collection, presente no Nintendo Switch.
Surge Street Fighter II


Dentro da Capcom a ideia era fazer uma sequência que se debruçasse no gênero que fazia muito sucesso no momento: o beat n up. O produto criado foi tão diferente que se transformou numa nova franquia de sucesso: Final Fight. A real sequência do jogo de luta, felizmente, foi revolucionária. Street Fighter II: The World Warrior, lançado em 1991, foi um sucesso gigantesco. E até hoje é um dos títulos mais jogados e amados da série. Entre correções e atualizações, tivemos nada mais nada menos do que seis variações do jogo. E diferente do primeiro, o título foi portado para tudo quanto é console possível e imaginado.
Máquinas de Arcade com Street Fighter II eram, simplesmente, indispensáveis em qualquer loja de fliperama, desde as de interior de bairro, passando à biroscas e rodoviárias. Eu, particularmente, tenho um carinho muito grande pelo título, já que se trata do primeiro videogame que joguei na vida. A versão de Super Nintendo de Street Fighter II – muito fiel à obra do Arcade – vendeu mais de 6 milhões de cartuchos. Por muitos anos a Playtronic incluiu o jogo num bundle que era o sonho de muitos jovens, no início dos anos 90. Porém, não foi através dessa versão que tive contato com o título, mas sim com um port feito para o Nintendinho.
O port pirata do Nintendinho
Tratava-se de um port alternativo feito pela Hummer Team e distribuído pela Yoko Soft, para o console de 8bit da Nintendo. Devido a limitação do console, era uma versão que – apesar de esforçada – sofreu muitos cortes, apresentando uma IA ruim, erros de sprites e pouca variação de personagens. A gente só poderia escolher, por exemplo, quatro lutadores: Ryu, Chun-Li, Zangief e Guile.

Na época eu liguei para isso? Claro que não! Vale lembrar que mais do que hoje, no início dos anos 90, o acesso à videogames era bastante limitado. Eram produtos caros, o poder de consumo do brasileiro era muito pequeno, inflação alta e existiam pouquíssimas linhas de crédito que pudessem facilitar o acesso a eles.
Apesar da Nintendo já estar no Brasil, na época, através da fusão da Gradiente com a Estrela (Playtronic), distribuindo produtos licenciados, ainda existiam resquícios da política econômica oitentista de reserva de mercado. Nesse sentido, a popularidade que os clones de Nintendo ganharam – como Dynavision, da Dynacom – não foi sepultada pela presença oficial da Nintendo no Brasil. Foi justamente num Dynavision 3, na casa de um coleguinha de escola, que fiquei encantado com o port duvidoso (porém espectacular aos olhos de uma criança de oito anos) de Street Fighter II, da Hummer Team.
Curiosidades e polêmicas

Um fato incrível foi a capacidade da equipe criativa da Capcom, por trás do desenvolvimento de Street Fighter II, em conseguir fazer com que TODOS os oito personagens iniciais ganhassem espaço cativo nos corações dos jogadores. São personagens propositalmente estereotipados (vide Blanka e Zangief), com visual, sprites de animação, golpes e sequências que os diferenciavam. Quase todos os continentes tinham pelo menos um representante. Os cenários eram extremamente belos (amo o do Guile) e as músicas icônicas, desde a da tela de apresentação aos temas de cada lutador. Golpes como o Hadouken e o Shoryuken de Ryu e Ken e o comando que temos que fazer no joystick para desferir esses especiais viraram tendência em diversos jogos de luta que vieram depois dele. Quem nunca disse para um colega, em outros jogos de luta (Fatal Fury, Mortal Kombat e afins), fazer um hadouken, para dar um especial com o personagem?
Uma curiosidade em relação à versão ocidental de Street Fighter II é a mudança nos nomes de alguns personagens. M. Bison virou Balrog (o personagem era uma clara referência ao fenômeno do boxe da época Mike Tyson), Balrog virou Vega; e Vega virou M. Bison. O jogo também se viu envolto à algumas polêmicas. Na introdução, por exemplo, dois lutadores (um negro e um branco) se encaravam com a guarda levantada, em meio a uma multidão bastante agitada. O personagem branco dá um soco no negro, a câmera sobe focando o prédio ao fundo até chegar ao título no topo. A cena, vista como racista, fez com que a Capcom retirasse o lutador negro da abertura.
Outra polêmica foi a ausência de lutadoras femininas, o que valeu a “pecha” sexista ao estúdio japonês. Alguns afirmam que a equipe achava que seria desagradável colocar homens dando socos e chutes em mulheres. A única lutadora das primeiras versões de Street Fighter II era Chun-Li. A versão “Super” de SF2 trouxe mais uma personagem: Cammy. Mas, ambas, por serem bastante sexualizadas, acabaram mantendo acesa a polêmica. Em Final Fight, por exemplo, Poison – inimiga dos heróis do jogo – foi vendida como uma lutadora transexual por Akira Yasuda, para evitar polêmicas. Não adiantou!
A prequela de um clássico

O sucesso do título possibilitou a transposição da marca para outras mídias, como animações, tal qual o maravilhoso Street Fighter Victory, que passou no SBT, nos anos 90; e o ruim (porém divertido) filme Street Fighter: The Movie, com Jean-Claude Van Damme e o saudoso Raul Julia. Em 1995, a Capcom lançou uma prequela de Street Fighter 2 chamada Street Fighter Alpha (Zero, no Japão), usando a poderosa placa CP System II (CPS-2). O título ampliou o leque de personagens, deu mais profundidade a mitologia da série e unificou de vez o mundo de Street Fighter com o de Final Fight – jogo que surgiu como um derivado do original de 1987.
O port de Street Fighter Alpha 2 para Super Nintendo, em especial, é algo digno de nota. Quando o título chegou no SNES, já tínhamos o Nintendo 64, PlayStation e SEGA Saturn no mercado. O jogo era incrível, apesar das limitações técnicas impostas pelo pouco espaço de armazenamento dos cartuchos do console da Nintendo. Tínhamos os mesmos personagens, mesmos golpes, especiais, sequências de combos e por aí vai. Mesmo nunca tendo o console em casa (era fã da SEGA, desculpa) jogava bastante SFA 2 nas locadoras, perto da minha casa de infância, com os amigos. O foco na construção de gráficos tridimensionais e a manutenção da mídia em cartucho, infelizmente, afastaram a franquia do console da Nintendo.
Experimentando um mundo 3D

Na segunda metade dos anos 90, os belos jogos de luta 2D de visual em pixel art começaram a ser colocados de lado. Cada vez mais a gente via títulos com foco em um visual e uma jogabilidade tridimensional. Trata-se de jogos como Virtua Fighter, Soul Edge e Tekken. A Capcom até tentou seguir essa tendência de mercado com o lançamento de Street Fighter EX. Mas, se tratava de um spin off. A sequência da série principal, Street Fighter III: New Generation, porém, se manteve fiel às origens da franquia. O fracasso comercial do título se deve muito mais à ausência de figuras queridas pelos jogadores do que pela qualidade técnica e visual do jogo. Isso foi corrigido em revisões futuras. Nesse sentido, Street Fighter III: Third Strike, de 1999, foi o que o jogo deveria ter sido desde o início de seu lançamento, em 1997.
No início dos anos 2000, a franquia Street Fighter passou por um pequeno hiato. Para ser justo, os jogos de luta como um todo tiveram o mesmo fim, com exceção de uma ou outra franquia, algumas das quais apresentavam qualidade muito duvidosa, como os horríveis jogos 3D de Mortal Kombat. Tudo mudou em 2008, com o lançamento de Street Fighter IV. É justo dizer que o título foi o responsável por revolucionar mais uma vez os jogos de luta e tirar o gênero do ostracismo que se encontrava. O jogo representou um perfeito equilíbrio entre o novo (gráficos 3D) e o tradicional (jogabilidade 2D). Tendo saído para PC, PS3, Xbox 360 e até mesmo o Nintendo 3DS, é lamentável que SF IV não tenha sido lançado para o fenomenal Wii, na época.
Street Fighter na Nintendo atualmente
Atualmente, salvo algumas coletâneas de jogos do passado – como o já mencionado Street Fighter 30th Anniversary collection – e o belo Ultra Street Fighter II: The Final Challengers (uma versão requintada do clássico de 1991), os novos títulos da franquia há tempos não dão as caras em consoles de mesa da Nintendo. Não consigo me conformar de ao menos o Street Fighter IV não estar no Nintendo Switch.
O controverso (mas excelente) Street Fighter V ficou confinado ao PC e PS4 e o novíssimo Street Fighter VI, com lançamento previsto para 2 de junho de 2023, irá manter essa tendência e não terá uma versão para o híbrido da Nintendo. Ainda assim, títulos da popular franquia de briga de rua não faltam aos donos do Switch e é inegável a incrível contribuição que o título desenvolvido pela Capcom – a revelia de qual plataforma está – deu aos jogos de luta, hoje e no passado.
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