Desenvolvedora: Square Enix
Publicadora: Square Enix
Data de lançamento: 09 de Março, 2023
Preço: R$ 104,90
Formato: Digital
Análise feita no Nintendo Switch com cópia fornecida gentilmente pela Square Enix.
Revisão: Davi Dumont
Desenvolvido e publicado pela Square Enix, sob a direção de Takanari Ishiyama (co-diretor de Final Fantasy XII: Revenant Wings), PARANORMASIGHT: The Seven Mysteries of Honjo é um jogo de aventura de horror em estilo de visual novel, mas com elementos de point-and-click e rotação de câmera em cenário estático.
Ambientado na região de Sumida, Tokyo, no Japão da Era Showa (1926~1989), o jogo aborda Os Sete Mistérios de Honjo e nove artefatos amaldiçoados relacionados a um suposto ritual que permitiria trazer alguém de volta à vida. Cabe ao jogador desvendar esses mistérios ao mesmo tempo em que utiliza algumas dessas maldições com diferentes personagens na trama.
Os Sete (ou nove) Mistérios de Honjo
Escrita por Takanari Ishiyama (também diretor), a história de PARANORMASIGHT é baseada em alguns contos sobrenaturais na região de Honjo durante a Era Edo (1603~1868) que movimentam atualmente algumas áreas turísticas no Japão. Tais relatos encontram-se também ilustrados em pinturas do movimento do Ukiyo-e e foram adaptados para filmes como “The Seven Wonders of Honjo” (1937), dirigido por Shinko Kimura.
Embora chamados de “Os Sete Mistérios de Honjo”, os contos tratam de nove lendas urbanas, cada qual a respeito de um de nove artefatos amaldiçoados com algum poder específico que pode ser usado por seu portador a fim de matar outros humanos e obter suas almas. Reza a lenda que essas almas podem ser usadas para trazer alguém de volta à vida através de um ritual de ressurreição.
Muito tempo depois, no período Showa, durante o século XX, essas peças amaldiçoadas são redescobertas e parecem relacionadas a possíveis casos de assassinato que intrigam a polícia e os habitantes da região de Sumida, em Tokyo. Entre os casos iniciais, destacam-se a morte misteriosa de um policial chamado Yajime Yoshimi e a morte de uma estudante secundarista chamada Michiyo Shiraishi, a qual inicialmente foi tida como suicídio.
Um aspecto interessante do design narrativo de PARANORMASIGHT está na forma como o jogador acompanha o desenrolar desses mistérios em um formato não-linear e sem protagonismo. Após assinar seu nome como jogador, a proposta do game é apresentada a você por um personagem idoso misterioso chamado The Storyteller. A partir de então ele será seu guia para mexer na interface do game, a qual está diretamente relacionada ao manuseio de uma TV antiga através da qual pode-se acompanhar as histórias em capítulos segmentados e ramificados.
A trama televisionada do game consiste em uma ficção interativa que pode resultar em finais diferentes. Cabe ao jogador fazer algumas intervenções metanarrativas para guiar os personagens principais aos finais necessários a fim de compreender os assassinatos, a base histórica por trás das maldições e as intenções de cada pessoa envolvida. É interessante destacar que os personagens às vezes são capazes de perceber algo estranho em suas intervenções, criando uma conexão entre o mundo ficcional e o metaficcional.
Salvo situações excepcionais, quatro são os personagens jogáveis que podem ser acompanhados em primeira pessoa: Shogo Okiie (um jovem secretário de uma empresa local e cético a respeito das maldições), Tetsuo Tsutsumi (um detetive veterano da polícia de Tokyo), Harue Shigima (mãe cujo filho de 11 anos foi raptado e assassinado) e Yakko Sakazaki (uma estudante secundarista amiga de Michiyo). Cada um desses personagens se relaciona com vários outros e suas trajetórias na história se entrelaçam em um puzzle que somente o jogador — do lado de fora da TV — poderá compreender por completo.
Como você pode ver com mais detalhes em minha preview, o primeiro capítulo inicia com Shogo Okiie e acaba com a sua morte. Este é um spoiler que o próprio The Storyteller revela a você ainda na introdução do game. Depois disso, você poderá seguir com os demais personagens na ordem que você quiser. No entanto, em vários momentos você precisará alternar entre as rotas desses personagens para obter informações ou desbloquear partes da narrativa.
Em seu design narrativo, vejo apenas dois pontos negativos que se destacam um pouco. Primeiramente, a relação entre o ficcional e o metaficcional. Esses dois planos são frequentemente relacionados pela forma como você usa a TV, mas mesmo após todos os finais alcançados ainda restam pontas soltas sobre como exatamente isso se dá e sobre o misterioso The Storyteller. Além disso, na segunda metade da história há um excesso de reviravoltas que tira um pouco da credibilidade do fluxo dos acontecimentos.
No mais, a narrativa traz um bom argumento para refletir sobre a dificuldade dos humanos em aceitar a finitude da vida, seja a sua própria ou de entes queridos. Salvo uma ou outra exceção, cada personagem amaldiçoado costuma ter motivações plausíveis para estar disposto a sacrifícios e atrocidades a fim de conseguir concretizar o ritual da ressurreição. Ao mesmo tempo, os mistérios são bem construídos no curso do tempo, em termos de cuidado com referências históricas e em termos de complexidade não linear.
Mecânicas de interação ficcional e metaficcional
Diferente de VNs do tipo cinético, que consistem basicamente em apreciar ilustrações e acompanhar linhas de diálogo (como por exemplo Hashihime of the Old Book Town Append), PARANORMASIGHT possui uma boa gama de interações tanto no tempo quanto no espaço dos acontecimentos. Em suma, você pode alternar momentos no tempo em um contexto de história ramificada através de uma mecânica chamada Story Chart e também pode rotacionar a câmera em primeira pessoa para identificar e/ou clicar em objetos ou personagens, para assim dar prosseguimento à história ou para decodificar alguns puzzles.
Os puzzles do jogo são de três tipos, embora sejam pouco frequentes e não muito difíceis. Em alguns casos, envolve basicamente point-and-click para você coletar informações e itens para serem usados em uma determinada sequência. Em segundo lugar, temos puzzles de perguntas específicas, como por exemplo “qual o nome do personagem x?”. Nesse caso, é preciso olhar os arquivos (Files), com as informações que você obteve até então em sua jornada.
Por fim (terceiro tipo), temos alguns breves puzzles relacionados ao tempo de reação e ao uso das maldições. Dependendo de qual personagem você estiver acompanhando, você pode estar com um artefato amaldiçoado consigo.
Ao ser um portador de uma maldição, você pode usá-la para matar outras pessoas, mas somente em condições específicas. Vou dar dois exemplos: há uma maldição que só pode ser usada se outra pessoa com quem você conversa estiver mentindo para você; e uma outra maldição que pode queimar uma pessoa, mas somente se ela estiver com algum objeto que possa fazer fogo, como um isqueiro.
Esses últimos casos de puzzles são os mais interessantes, e não apenas em função de pensar como usar seus poderes, mas também em função de se defender deles. Há, por exemplo, uma maldição que afeta seu personagem se ele ouvir as vozes de um fantasma, mas se você for nas opções e silenciar o som das vozes, seu personagem não escutará as palavras amaldiçoadas e consequentemente não será amaldiçoado. Esse é um dos exemplos de como o jogo usa de elementos metaficcionais dentro da própria ficção.
Diferente do último jogo de aventura de mistério da Square Enix, The Centennial Case: A Shijima Story, PARANORMASIGHT não é tanto focado nos puzzles. Eles estão presentes, mas sua função não é tanto a de ser desafiante ao raciocínio do jogador. As funções das mecânicas que descrevi acima são basicamente três: aumentar a imersão ficcional ao assumir diferentes pontos de vista na história; permitir variações/ramificações metaficcionais na trama; e contribuir para recapitular e fixar informações da história.
Noto que o jogo é especialmente bem-sucedido nos objetivos de imersão e de fixação das informações. O controle da câmera em primeira pessoa enquanto ocorrem mudanças pontuais no cenário e as escolhas de diálogo fazem com que o jogador se sinta na pele dos personagens da trama ao mesmo tempo em que outras mecânicas relacionadas à interface oferecem uma experiência de onipresença e contribuem para compreender e contextualizar informações da história sob diferentes pontos de vista.
Por outro lado, sinto que as mecânicas metaficcionais e de interface poderiam ser mais desenvolvidas, bem como melhor justificadas na história. Em segundo lugar, também poderia ter maior desenvolvimento das mecânicas de point-and-click, já que na maior parte das vezes você obterá informações apenas contextuais e pouco úteis clicando na paisagem ou em objetos do cenário. Contudo, o saldo é muito mais positivo, e às vezes a falta de aprofundamento na gameplay é compensada por uma maior fluidez da narrativa.
Um audiovisual modesto, mas adequado, inteligente e imersivo
Com direção de arte de Junko Sumimizu, PARANORMASIGHT traz uma cenografia totalmente formada por ilustrações com uma resolução não muito alta, infelizmente, mas bem desenhadas. As imagens são estáticas e realistas, com base em locais específicos de Sumida, em Tokyo, no século passado. Nos arquivos (Files), você também obterá dados sobre essas regiões e poderá em vários momentos na história escolher para que ponto deseja ir através de um mapa da cidade. Esses locais possuem variação de dia e de noite. Essa variação é indicada no Story Chart, onde o jogador possui acesso às diferentes partes da história-filme em diferentes ramificações.
Vale também destacar que o jogo conta com boas ilustrações do estilo do Ukiyo-e, o mais famoso movimento artístico japonês da Era Edo que influenciou marcadamente o impressionismo no Ocidente e alguns outros movimentos modernos. Essas ilustrações dão maior concretude histórica para as lendas e também serviram de inspiração para os modelos dos fantasmas das maldições que aparecem em algumas cenas de horror, embora o jogo não seja de fato tão assustador quanto poderia; notabilizando-se, em vez disso, muito mais pelo mistério em si.
Um dos maiores destaques do jogo está no enquadramento de câmera para imergir no suspense e para capturar detalhes da expressividade das pessoas envolvidas na trama. Os personagens foram desenhados por Gen Kobayashi (character designer da série The World Ends with You). Diferente do comum em seus trabalhos anteriores, Kobayashi se afasta de um clima mais colorido, mas mistura seu estilismo de traços expressivos marcantes com uma fisionomia mais séria e realista. Essa combinação foi muito bem sucedida de diferentes formas.
O The Storyteller, por exemplo, é visualmente o mais excêntrico dos personagens, fugindo mais do realismo, porém formando um contraste interessante para estabelecer um elo metaficcional com o jogador. Por outro lado, Harue Shigima (personagem da extrema direita na imagem abaixo) é um dos casos mais claros de personagem com feições sérias e figurino realista, mas que ao mesmo tempo possui uma forte expressividade depressiva e sombria, devido à perda trágica de seu filho. Há alguns poucos personagens dos quais não achei o design interessante, mas geralmente são de relevância menor no enredo.
Por fim, temos uma trilha sonora original de Hidenori Iwasaki (compositor de Front Mission 4 e Front Mission 5). Para além de algumas faixas típicas de suspense e tensão, destacam-se algumas músicas com coro que passam um clima sombrio bem adequado à obra, como por exemplo a música de abertura, e também chamam a atenção as composições com elementos de jazz e algumas de violão espanhol, sempre com ênfase em instrumentação acústica.
Essas escolhas não só são imersivas no contexto histórico, como também relaxantes para acompanhar a leitura. Além disso, às vezes as melodias podem ser suavemente dançantes e animadas para formarem um forte contraste com uma peça dramática na sequência, em algum momento de surpresa. Por outro lado, a direção de som é básica, não há voice acting, os sons ambientes são poucos e às vezes o efeito sonoro abrupto que acompanha alguma informação impactante pode ser um tanto abusivo e repetitivo. Confira no trecho de vídeo abaixo um pouco da experiência audiovisual.
Uma aventura de mistério que faz jus ao legado da Enix
Embora hoje mais conhecida por seus JRPGs, a Square Enix (mais especificamente a Enix) foi pioneira em visual novel e adventure de mistério desde 1983, com The Portopia Serial Murder Case, escrita pelo pai de Dragon Quest, Yuji Horii. Quatro décadas depois, PARANORMASIGHT: The Seven Mysteries of Honjo faz com que a empresa volte a ocupar um lugar de destaque no cenário de aventuras interativas de mistério ao mesmo tempo em que traz uma identidade própria, com uma trama ao mesmo tempo séria e inventiva.
Apesar do jogo deixar pontas soltas no plano metaficcional, ter alguns excessos narrativos, acompanhar audiovisual modesto em vários aspectos (principalmente devido ao baixo orçamento da produção), e embora algumas de suas mecânicas sejam subdesenvolvidas in-game, PARANORMASIGHT é uma aventura criativa, engajante, imersiva e bem escrita que concilia personalidade e carisma com seriedade histórica e sombria. Esse título é recomendado para fãs de histórias de mistério e investigação sobrenatural, bem como para quem se atrai por propostas interativas que conectam ficção com metaficção.
Prós:
- Bons personagens tanto em design quanto em escrita;
- Design narrativo engenhoso que dá uma experiência perspectivista sobre os mistérios e sobre as diferentes motivações humanas para não conseguir lidar com a perda de entes queridos;
- Abordagem imersiva, inteligente e versátil de enquadramento de câmera;
- Mecânicas engajantes e imersivas que fazem com que o jogador alterne entre uma experiência metaficcional de onipresença na história e de atuação como personagens específicos da trama;
- Uma boa trilha sonora para acompanhar a leitura e o clima histórico, urbano, misterioso e sombrio da narrativa;
- Boa variedade de finais fruto de uma convincente variedade de interesses em vez de em torno de algum vilão central;
- Trama bem inspirada e contextualizada com elementos das eras Edo e Showa.
Contras:
- Algumas mecânicas subdesenvolvidas;
- Algumas ilustrações com baixa resolução;
- Ausência de voice acting, o que diminui um pouco a imersão;
- Algumas pontas soltas para explicar as interações no nível metaficcional;
- Alguns exageros em reviravoltas e caricaturas nas partes finais da história;
- Embora tenha uma proposta de horror, a direção de arte não o faz tão assustador quanto poderia;
- Direção de som simples.
Nota:
8,5
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