
Revisão: Davi Sousa
Dizer que o Nintendo Switch é um sucesso absoluto não é surpresa para ninguém. Em seu sexto ano de vida, ele caminha para se tornar não apenas o maior console da empresa, mas talvez até de todos os tempos, deixando sua inegável marca na história dos jogos eletrônicos. Seu alcance, consequentemente, impulsionou diversas franquias e jogos antes renegados de a um lugar de esquecimento a um patamar mais generalizante, caindo na graça de um público maior.
Entre altos e baixos
Entre remakes, ports ou continuações improváveis, diversas franquias tiveram representações no Switch, muitas vezes rompendo recordes de vendas de suas IPs. Não apenas The Legend of Zelda, Mario ou Pokémon, que já eram carros-chefes em vendas, expandiram ainda mais suas fatias no mercado, mas jogos historicamente renegados a baixas vendas também.
Quando olhamos para Pikmin, por exemplo, vemos uma franquia que, apesar de ter excelentes títulos em seu portfólio, nunca foi agraciada em seus lançamentos: os dois primeiros jogos foram lançados no GameCube, um console infelizmente não reconhecido por seu sucesso comercial, limitando-se a pouco mais de um milhão de cópias vendidas para cada título. Mesmo sendo portados posteriormente para Wii, ambos nunca foram agraciados em campanhas de marketing agressivas ou pelo gosto popular, movendo relativas poucas unidades.
Quando, por fim, a Nintendo decide, com o terceiro título, fazer um grande lançamento, colocando-o em posição de destaque, o vemos sendo sabotado pelo Wii U, renegando-o a um difícil lançamento. No Nintendo Switch, contudo, apenas ao portá-lo, sem muito alarde, vemos Pikmin 3 ocupar o primeiro lugar de vendas na história da franquia, ultrapassando os dois milhões de cópias vendidas. Com a IP renovada, a Nintendo então anuncia Pikmin 4, que apesar de estar sendo desenvolvido há anos, aposto que será trabalhado com ainda mais afinco pela empresa, de modo a aproveitar o grande sucesso do console híbrido.

Claro, é importante levantar um ponto: um milhão de cópias para apenas um jogo é um grande número, e é realmente difícil chamar tais franquias de “pequenas”. Devemos, portanto, olhar com outra perspectiva: quando levamos em consideração que The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom vendeu, em apenas três dias, 10 milhões de unidades, podemos com segurança dizer que jogos que vendem um milhão de unidades são menores para a empresa.
No mesmo ritmo, Metroid, uma das mais icônicas franquias da mídia, recebeu tratamento semelhante, dessa vez com uma continuação aguardada por quase 20 anos. Metroid Dread — ou Metroid 5 — é um jogo aguardado desde seu antecessor, de 2002, mas apenas em 2021 essa sequência foi lançada.
Desenvolvido pelo estúdio espanhol MercurySteam, o título conclui um arco escrito por Yoshio Sakamoto desde a primeira entrada da série, em 1986, misturando o sistema de exploração em plataforma 2D com um clima de horror apresentado em Metroid Fusion, intensificado pela introdução dos E.M.M.I.s, inimigos criados para caçar Samus a qualquer custo. Dread vendeu quase três milhões de cópias, ultrapassando o antigo recordista de vendas Metroid Prime, lançado originalmente no GameCube e remasterizado para o Nintendo Switch somente neste ano.

Metroid, contudo, não é a única franquia liderada por Sakamoto que recebeu uma segunda chance no console. Um dos títulos mais improváveis do repertório da empresa fora lançado no início de 2021, sendo uma gratíssima surpresa. Falo de Famicom Detective Club, a duologia refeita a partir dos jogos originais de NES. Tanto The Girl Who Stands Behind e The Missing Heir são adventure games incrivelmente bem-escritos, com remakes extraordinários em termos de escopo e estilização. Olhemos a eles de forma individual.
The Missing Heir é o primeiro título da série, tendo como ponto de partida o abrir dos olhos de um protagonista sem memórias. Um homem que passava pelo litoral descobre o jovem desacordado na beira de um penhasco, e nossa aventura começa em meio ao breu. Aos poucos, descobrimos que comandamos um detetive contratado para investigar a morte suspeita da matriarca de uma família rica e poderosa em uma cidade interiorana japonesa.
Apresentando uma trama policial competente, The Missing Heir brinca conosco com falsas sugestões e pistas pela metade, nunca buscando enganar o jogador, mas levando-o a uma reflexão da cidade, dos suspeitos e da natureza das ligações financeiras que movem as engrenagens do lugar. Ainda por cima, o jogo busca trazer elementos místicos para nos fazer investigar casos antigos que assombram a população local.

The Girl Who Stands Behind, porém, facilmente desbanca seu antecessor. Sendo um prólogo do título anterior, ele conta de que forma o protagonista se torna um detetive e como encontra sua assistente, em um crime macabro envolvendo um colégio assombrado por um boato antigo. Se antes a escrita já era ótima, agora se torna excelente, com uma melhor organização dos capítulos e um mistério mais instigante, que nos leva ao horror em sua conclusão.
Busco não me aprofundar tanto nos jogos a fim de evitar estragar a experiência de leitores que ainda não os conheceram, mas me permitam um acréscimo: Famicom Detective Club, a meu ver, deve ser visto como uma pedra fundadora dos jogos investigativos. No lançamento da duologia, lembro-me de ler análises dizendo que os sistemas eram datados, deixando passar a essência que perpassa as obras. As narrativas não se tratam de um mero quebra-cabeça, sendo uma releitura de romances policiais a partir de uma nova mídia, e acredito que devemos resgatá-las assim como resgatamos longas e romances pioneiros do gênero.
Por algum motivo, o discurso de preservação de jogos é muito arcaico quando comparamos com a preservação de literatura ou cinema: imagine orgulhar-se ao dizer que não lê ou asiste a Alan Poe ou Hitchcock por serem datados, clamando apreciar apenas o último romance de Harlan Coben ou a série do momento da HBO? Sinceramente, a ideia de descartar o antigo porque a mídia evoluiu me parece uma leitura pobre e que deve ser descartada.
Famicom Detective Club inspirou-se em contemporâneos e estabeleceu um patamar importante no gênero, que sem dúvidas possibilitou a existência de novos jogos hoje. A autoria de Sakamoto está presente em cada cena, e a maturidade da obra não está presente no gore, mas sim na capacidade de reflexão a partir da relação dos personagens entre si. Por que desconfiar ou confiar em um personagem, e o que configura sua culpa ou inocência? Como um bom romance policial, essas são algumas perguntas que os jogos nos fazem.

Antes do remake em 2021, os títulos nunca haviam sido localizados para o Ocidente, encontrando-se perdidos no tempo. Agora, eles não apenas tiveram uma reimaginação em um estilo gráfico lindo com direito a dublagem, como também puderam mostrar ao mundo suas cores, tornando-se uma das melhores experiências narrativas proporcionadas pelo gênero. Afinal, se hoje podemos ter Ace Attorney ou até Disco Elysium, precisamos olhar para os pioneiros no ramo.
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Ainda assim, infelizmente não é possível definir uma regra: nem toda franquia é agraciada pela magia do Nintendo Switch. O caso mais icônico e recente é a coleção de remakes de Advance Wars, que novamente sofreu um duro golpe devido ao acaso, sendo esquecido nas prateleiras. Os jogos, refeitos pelos incríveis desenvolvedores da WayForward (Shantae, River City Girls), foram primeiro adiados por conta dos conflitos entre Rússia e Ucrânia, em 2022, e posteriormente ofuscados pelo brilho de The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom. O estilo gráfico, ainda por cima, gerou críticas por parte dos fãs, que preferiam as artes em pixel art como eram os originais de GBA.

Uma rede de novas oportunidades
Apesar dos pesares, é interessante observar a força gravitacional que o Switch é capaz de gerar em torno de títulos antigos, criando uma renovada onda de interesse a partir do desconhecimento. Vimos desde ports de FATAL FRAME, incluindo Maiden of Black Water, antes preso no Wii U, até uma reimaginação de Cruis’n Blast, a partir dos jogos antigos que remontam dos arcades ao Nintendo 64. Esse amálgama, que combina novidades com clássicos, gera uma mistura muito curiosa, e possível apenas pela abertura tão abrangente existente no público da plataforma híbrida da Nintendo.
Pessoalmente, eu não poderia pedir por um cenário melhor. Claro, todos sempre olharão com carinho para franquias já estabelecidas no mercado, porém não há nada melhor que ver títulos rendo reconhecidos por sua grandeza. No mais, espero podermos ver cada vez mais obras tendo uma segunda chance.
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