
Desenvolvedora: Mojiken
Publicadora: Chorus Worldwide
Data de lançamento: 19 de Janeiro, 2023
Preço: R$ 103,66
Formato: Digital
Análise feita no Switch com cópia gentilmente cedida pela Chorus Worldwide.
Revisão: Davi Dumont
Por vezes, sinto dificuldades em seguir planejamentos. No início do ano, especificamente, o sentimento fortalece-se: em meio a tantas renovações, é penoso encontrar uma motivação para vencer a inércia, um motor capaz de fazer girar as engrenagens do ano. Assim, é sempre bem-vindo um filme que me emocione, um livro que me cative ou até uma série que me faça pensar. No caso, A Space for The Unbound foi capaz de me mover em todas as capacidades, enchendo-me de renovadas forças por sua graciosidade, puxando-me aos céus por sua sensibilidade e, por fim, dando-me ânimos por sua contínua construção de esperança.
O título, desenvolvido por uma equipe indonésia e publicada pelos mesmos responsáveis pelo amável Coffee Talk, já havia despertado minha atenção por sua apresentação: sprites lindos com uma direção artística capaz de expressar belas emoções em pixel arts exuberantes. O que não esperava, contudo, era encontrar uma obra de profundo pesar oculto em meio a percepções de felicidade, uma literal busca de si mesmo que entrega uma conclusão poderosa e motivadora.
Uma história de analogias
A Space for The Unbound é um jogo de exploração em telas 2D, onde interagimos com objetos e pessoas em uma cidade pequena, aproveitando os dias da juventude. Ao menos, essa é a forma como a obra se apresenta em um primeiro momento. Na verdade, o jogo é composto por diversas camadas de analogias ao redor de um núcleo de personagens protagonizado por Atma, um jovem estudante que ainda busca o rumo de sua própria vida.
Já no prólogo, somos apresentados a Nirmala, uma criança com problemas familiares apaixonada em criar histórias, encontrando em Atma um ouvido amigo, capaz de compreendê-la e que a auxilia na escrita em seu livro. Em meio a uma forte tempestade, no entanto, Nirmala é arrastada pelas águas de um rio, correndo o risco de se afogar. Atma, em uma tentativa frustrada de salvá-la, acaba caindo no rio, perdendo-se nas correntezas, sendo abraçado por uma fria escuridão.

Logo em seguida, encontramos Atma em uma sala de aula. Não sabemos quanto tempo se passou desde o incidente, nem mesmo se o ocorrido não passou de um sonho, já que o personagem acorda sonolento e confuso. À sua frente, encontramos apenas Raya, que se apresenta como a namorada deste. Aqui, encontramos uma aluna modelo: líder do conselho estudantil, inteligente, bonita e, talvez por conta disso, que sofre certa pressão dos professores. Tendo recebido um teste vocacional, decide elaborar, em conjunto com seu parceiro, uma lista de desejos para cumprirem juntos: desde ver um filme até adotar um gato de rua, de comer o doce favorito até se emocionar com uma música. Para tal, primeiro precisam fugir da escola, desbravando a cidade com os próprios pés.
A trama não demora a se desenrolar. Por meio de interações entre objetos e pessoas, em puzzles clássicos desse tipo de jogo que nos faz ir de tela em tela procurando itens em específico para podermos prosseguir, conhecemos personagens centrais à narrativa: Erick, o clássico rebelde escolar, Lulu, a mais popular do colégio, e Marin, uma tímida e reservada colega de classe. Além disso, somos apresentados à principal mecânica do jogo: o spacedive.

Por meio de um misterioso caderno vermelho, Atma é capaz de adentrar o coração de certas pessoas, explorando o que as assombra e afastando seus demônios. A ferramenta é muito útil para criar novos e variados cenários para explorarmos ao longo do jogo, além de nos fazer criar mais vínculos com personagens secundários e periféricos, com Puzzles mais distintos e até mais elaborados.
Atma, entretanto, não é o único personagem com algum tipo de habilidade mágica. Pouco a pouco, vamos percebendo que há algo estranho com Raya, que de certa forma parece ser capaz de manipular a realidade como melhor a convir: seja convenientemente criando dinheiro ou até impondo pensamentos a diferentes personagens.
Ao término do primeiro capítulo, alguns mistérios se intensificam, especialmente quando os poderes combinados do casal parecem desencadear um episódio caótico na cidade, resultando em tragédia. Quando as coisas parecem estar se resolvendo, a câmera distancia-se, enquadrando o céu azul, que começa a rachar, como se revelasse a fragilidade de uma realidade artificial.

Relacionamentos e mecânicas
A partir do término do primeiro capítulo, explorar a história mais a fundo seria tratar de certas surpresas que merecem ser experimentadas a primeira mão, logo vou encerrar a exposição da trama. Basta dizer que, a partir do segundo capítulo, começamos a desconfiar que algo não está certo com a cidade. Certos elementos parecem estar fora do lugar, e o protagonismo de Atma passa a ser questionado de forma muito elegante. Apesar de controlarmos o personagem, as missões e os relacionamentos são pautados a partir da existência de Raya, como um grande sol que coloca tudo em sua órbita. E, assim, cada capítulo passa a ser explorado por personagens diferentes que interagem com Atma, mas que acabam revelando algo sobre Raya.
Primeiro, entendemos a forma como Erick se coloca e se comporta para a personagem. O que ele representa ali, naquele contexto, e de que forma os traumas vão se criando? A mecânica de gameplay introduzida com ele também auxilia na representação, com um minijogo de luta que simula sprites de Street Fighter, em uma referência que traz um sorriso ao rosto, mas que á pautada na defesa (reclusão) e no ataque (exposição). É um diálogo que travamos pautado na linguagem do personagem, pela violência que é intrínseca a ele e que o fragiliza.

No capítulo voltado a Lulu, temos uma construção e reconstrução da verdade. A personagem, aqui, percebe-se como uma juíza, a detentora da verdade moral pela qual os outros devem se pautar, aqui também revelando um véu de fragilidade por conta da necessidade de aprovação de outros. Em tribunais à la Ace Attorney, vemos sugestões de sua personalidade e a forma como ela penetra Raya.
Por último, Marin trabalha com o passado e o refúgio. Escapando da realidade, regressa a tempos mais simples, eximindo-se da responsabilidade clamando por ignorância, mas na verdade apenas provando a destruição que a omissão é capaz de causar. Aqui, ganhamos um item que nos faz explorar o passado, em alguns dos melhores puzzles do título, fazendo com que criamos um vínculo ainda maior com o cenário aqui construído.

Assim, o jogo nunca se estagna, explorando sempre um elemento novo que nunca se estende além do tempo necessário. Cada personagem passa tempo o suficiente conosco para entendermos seus dilemas, suas complexidades e, o mais importante, a forma como Raya os percebe, fazendo com que enxergamos as micro agressões do cotidiano, mobilizando-nos por entendermos que pessoas são complexas, e que mesmo na bondade há malícia, e que mesmo na maldade há humanidade. Atma, um avatar propício ao jogador, descobre conosco a verdade do mundo, um jarro que se molda a cada descoberta, em uma progressão satisfatória e naturalmente triste ao compreendermos o centro do enigma, em uma sublime representação da depressão e dos traumas que nos sufocam.
Conclusão
Caso não tenha ficado claro, a trama da obra é completamente apaixonante. Mais que isso, talvez: exasperante, reveladora, compreensiva. O humor e o texto estão sempre muito bem pontuados, sem diálogos extensos e com momentos de leveza para aguentarmos o peso da mensagem final. E por fim, a apresentação do jogo não poderia ser melhor. o trabalho em pixel art é fantástico, mesclando o cenário 2D com cutscenes de tirar o fôlego e minijogos que fazem o máximo da expressividade e do movimento dos personagens.

Há sempre um detalhe na tela que fisga nossa atenção, um detalhe inserido com uma paixão inquestionável dos desenvolvedores. A música complementa a arte, dando vida aos cenários e pontuando os momentos mais dramáticos de forma certeira. Com poucas missões secundárias, na primeira vez em que jogamos já somos capazes de completar o jogo 100%, o que diminui a rejogabilidade, mas que sinceramente não veria como um demérito, visto que a proposta do jogo é a de explorar a fundo os personagens aqui apresentados. E nesse sentido, não há dúvidas que estamos diante de um dos melhores estudos de personagem em um jogo.
Prós:
- Direção de arte e de música sublimes;
- Trama delicada e sensível;
- Texto conciso e cheio de personalidades;
- O jogo não se estende para além do que deve.
Contras:
- Apesar de divertido, os minijogos de lutas poderiam ser reduzidos.
Nota:
10
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