Desenvolvedora: Monolith Soft
Publicadora: Nintendo
Data de lançamento: 29 de Julho, 2022
Preço: R$ 299,00
Formato: Digital/Físico
Análise feita no Nintendo Switch com cópia adquirida pelo redator.
Revisão: Marcos Vinícius
Um fator tão essencial para se viver quanto respirar é ignorar a certeza da morte. O destino final de todos e todas, espreitando-se calmamente em todas as direções e, quando perceptível, a causa maior de angústias existenciais. O que nos aguarda além, podemos nos perguntar, ou ainda: qual o nosso propósito? Podemos confabular, no campo teológico ou filosófico, mas a resposta sempre permanecerá indecifrável, restando a nós apenas a benção do rio letes, o esquecimento.
Xenoblade Chronicles 3 não pretende buscar a teleologia da existência, encontrando uma narrativa no confronto direto das inseguranças existenciais. Um confronto direto com a perpepção de uma vida desenhada, realizando um paralelo direto com seus antecessores ao agarrar o destino com as próprias mãos, construindo um futuro coletivo ao invés de render-se ao medo individualista. Dois meses após o lançamento tão aguardado, mergulhemos sem medo no mundo de Aionios, em um mundo marcado pela guerra e pela cega obediência, buscando desvendar os maiores acertos do título e suas inevitáveis falhas.
Um Mundo em Guerra
Xenoblade Chronicles é uma franquia marcada pelo desenho de seu mundo e sua relação direta com o conflito. No primeiro jogo, situamo-nos no corpo de um colosso titã que carrega, em si, o mundo, estacionado em um golpe mortal direcionado a uma nação inimiga por uma grande espada: a ponte entre dois mundos e a marca maior de uma guerra de grandes proporções. No segundo, a distância entre titãs revela um distanciamento entre culturas, e o vasto mar de nuvens implica em um conflito motivado pela busca de novas terras para vítimas de escassez. Aqui, por outro lado, encontramos em Aionios uma massa composta e uniforme, com vários acenos a titãs encontrados em outros títulos, mas sem a icônica presença de um mapa orgânico, substituído por terras marcadas pela destruição de uma incessante guerra entre Keves e Agnes, que já dura eras.

Já no primeiro capítulo do jogo, vemos uma detalhada apresentação da nação de Keves, guiada por uma rainha que muito lembra Melia, do primeiro título, e conhecemos o trio —composto por Eunie, uma healer, Lanz, um tanker, e Noah, um soldado com a importante função de off-seer— . Como cada soldado, de cada nação, vive por um período determinado de 10 anos, expresso na pele por um símbolo específico, o combate é motivado por alimentar unidades de batalha chamadas de colônias de tempo de vida do outro lado do conflito por meio de uma grande estrutura militar, os ferronies, que carregam flame clocks determinando a carga vital disponível. Assim sendo, é função dos off-seers de encomendar a alma dos mortos por meio de flautas. Além disso, após o término dos 10 anos de existência, soldados são honrados com uma grande celebração, o homecoming, em que off-seers devolvem a carga vital do sobrevivente de volta às rainhas de cada nação, alimentando um ciclo de geração e destruição de soldados.
Não muito depois da introdução inicial, a colônia onde se situam recebe a ordem de interceptar uma unidade móvel de uma força estranha ao mundo dividido bilateralmente. Assim, acabam encontrando três soldados de elite de Agnus — Taion, supporter, Sena, atacker, e Mio, uma off-seer— . Após breve combate em que ambos os lados permanecem em certa harmonia, a luta é interrompida por um homem estranho, que busca conduzi-los a uma união, e não para o conflito. De acordo com o desconhecido, Guernica Vandham, todo o conflito é uma farsa criada por um grupo vil: Moebius. Tão logo a revelação é feita, uma criatura horrenda surge com uma marca do infinito nos olhos.
Os seis soldados, antes inimigos, unem-se em uma tentativa vã de defender-se após um golpe fatal ser desferido em Vandham. Quando tudo parece perdido, um estranho artefato é ativado, fazendo-os se unirem em duplas, despertando o poder de Ouroboros. Após intenso combate, Moebius foge, não sem antes sinalizar a todos os cantos de Aionios que o grupo fugiu às regras do mundo, e o grupo se vê unido por curioso e ingrato destino, jogando-os sozinhos em um mundo vasto e recheado de perigos a cada passo, deslumbrando-nos com seus detalhes.

Uma análise sintética
Quanto à história, opto por deixá-la em suspensão por hora. Em um momento mais à frente do texto pretendo voltar-me a ela com mais detalhes, claro que não sem um claro aviso para spoilers. Por hora, limito-me a comentar que a cada capítulo os personagens principais passam a interagir de forma mais encantadora, e as relações construídas com o mundo ao redor fazem-nos crescer de formas não imprevisíveis, porém emocionantes e capazes de se conectar diretamente com cada jogador por detalhes diferentes.
A narrativa como um todo passa a se construir no conflito constante entre Ouroboros e Moebius, tanto no sentido amplo quanto pelas side quests construídas ao redor de colônias espalhadas por Aionios. Nelas, devemos destruir os flame clocks que unem indivíduos ao ciclo de destruição criada pelo agente estranho, liberando heróis que ocupam um sétimo cargo no grupo de personagens disponíveis em combate e exploração. Todas as missões adicionam doses de detalhes ao mundo que nos fazem cair de cabeça no universo construído, e conforme vamos aumentando o grau de afinidade podemos realizar suas missões de ascensão, quando desbloqueamos o maior potencial do herói e mergulhamos um pouco mais a fundo em suas personalidades.
De certa forma, tais side quests são tão essenciais quanto as missões principais, desbloqueando até formas de locomoção diversas para navegarmos de formas diferentes pelo mapa. Construindo relações, combatendo Moebius e descobrindo mais detalhes sobre o elenco principal vamos aos poucos nos encaminhando para os momentos finais do jogo de grande emoção e revelação a respeito da gênese do mundo enquanto o encontramos no início do título.
Um fator de grande importância ao jogo, sem dúvidas, é o combate sólido, complexo e extremamente divertido. Misturando elementos dos últimos dois títulos, além das melhorias realizadas na expansão de Torna ~ The Golden Country, aqui encontramos a melhor interação do combate em Xenoblade Chronicles até então. A partir de ataques automáticos, temos duas seções de ataques especiais para conferirmos, carregados por tempo, para unidades kevesi, e por ataque dado normalmente, para unidades de Agnus. Cada ataque é vinculado nos botões, para ataques específicos da classe equipada, e no D-pad, desbloqueáveis de acordo com o nível de proficiência que um personagem tenha chegado em determinada classe.
Falando em classes, além das seis vinculadas aos personagens favoritos temos diversas outras vinculadas a heróis, e todos os personagens podem ter a classe alterada rapidamente no menu, oferecendo interessante rotatividade de gameplay e sempre fazendo-nos testar novas combinações de poderes. Além do combate tradicional, o título nos apresenta duas diferentes mecânicas: a de transformação de Ouroboros, quando podemos fazer ataques individuais fortes associando pares, e o Chain Atack, um combo onde podemos combinar diferentes efeitos e ataques para gerar um dano alto e avassalador contra o oponente. Comparando o chain atack deste com os títulos antigos, aqui temos mais tempo de pensar nas melhores opções de ataques ao invés de estarmos associados a quick-time events, ampliando as possibilidades de combos, especialmente ao acumularmos os tradicionais efeitos da franquia Break > Topple > Launch > Smash ou Break > Topple >Daze > Burst.
Além disso, vale destacar que, honrando o peso dos outros títulos, Xenoblade Chronicles 3 conta com uma das melhores (se não a melhor) soundtrack de todos os tempos. Citando poucas composições encontradas em áreas iniciais, destaco as músicas das batalhas (Keves Battle, Chain Atack, You will know our names, Battle! Vs. Moebius) e de áreas exploráveis, buscando sempre um mix entre antigas áreas e as novas (Millick Meadows, Dannagh Desert, Ribbi Flats). O mundo de Aionios é vasto, sendo o maior mapa da franquia até então, e as composições enchem com louvor a paisagem belíssima criada pelos desenvolvedores da Monolith Soft, que uma vez mais mostraram seu imenso talento.

Sem sombra de dúvidas, Xenoblade Chronicles 3 é um dos maiores lançamentos não apenas desse ano, mas de toda a vida do Nintendo Switch até então. Sua existência por si só parece um milagre, e sua recomendação não poderia vir com mais naturalidade. Seja por seu peso narrativo, belissimamente construído, ou por seus sistemas de combates engenhosos, o título tem muito a agradas a fãs novos e antigos, sendo uma excelente porta de entrada à série, ao mesmo tempo que recebe com um abraço apertado jogadores já habituados à franquia. Em seguida, no entanto, gostaria de me aprofundar um pouco mais na história do jogo, e naturalmente será necessário revelar alguns segredos valiosos ao título. Nesse sentido, caso não tenha alcançado os créditos finais do jogo, agradecemos a leitura até então, mas recomendamos que não prossiga com o texto.
Alerta de SPOILERS (Pule para a Conclusão)
Jogos da série Xenoblade Chronicles tendem a desencadear questionamentos para além de si mesmo. A partir da ideia de lutar contra o destino para a criação de um mundo idílico, personagens se desencantam pela crueldade e custam a ultrapassar barreiras, mas nunca desistem pela força do vínculo que os une. O terceiro título da franquia não poderia ser diferente.
Moebius e Ouroboros apresentam significados muito interessantes para entendermos a principal mensagem passada da trama. O primeiro relaciona-se com a fita de Möbius, uma composição geométrica que ilustra o infinito, o momento interminável. O segundo, por outro lado, busca a marca simbólica de uma serpente comendo a si própria, em um ciclo de vida, reprodução e morte, a eterna relação entre escatologia – o fim – com a cosmonogia – o princípio. É muito fácil buscar nos vilões o mesmo princípio tirânico dos criadores de universos próprios, tão característicos na série, e por tal razão é tão surpreendente confrontarmos, no fim, a personificação do medo da morte, em sentido literal. É um comentário metalinguístico, de acordo, visto que tanto os personagens lutam por cada segundo a mais de vida quanto os próprios jogadores estarão interessados em paralisar o tempo para aproveitar cada segundo da experiência.
Contudo, não há como controlarmos o fluxo natural. Quando mundos criados pela vontade de ser livres da corrente do destino se chocam, o medo da perda é o que se sobressai, o reconhecimento de que, por mais que dediquemos nossas vidas a um projeto, um dia tudo irá cessar de existir, e nada mais fará sentido. O título, contudo, convida-nos a lutar contra o pessimismo, estudando como criamos nossos propósitos, não importando o quão irreais ou ilógicos eles sejam, desde que vivamos e morramos livres de amarras e de acordo com nossas escolhas, garantindo um caminho de possibilidade a todos.
Todas as missões relacionadas aos heróis discutem, de alguma forma, o relacionamento da morte e do eterno retorno. Uma sociedade que não é capaz de registrar e ensinar suas descobertas para gerações passadas é uma sociedade fadada a se estagnar, e todas as colônias vivem nesse estado até se libertarem. A partir de então, vemos o encanto da vida nos pequenos detalhes, seja no esforço científico de se querer inovar, seja na própria execução de um sistema de ensino ou seja no compartilhamento de conhecimento para o benefício de todos os indivíduos.
Enquanto motores de tal ação, a inação é ainda mais penosa, não restando outra possibilidade de final senão compreender a necessidade de seguir em frente, libertar o rumo do tempo e do ciclo natural da vida. Ao invés de entender a existência a partir da perspectiva de um Sísifo, navegamos pelo Hades com a melodia de Orfeu, sinalizado pelo ritual dos off-seers, que ajudam a libertar o peso do luto, libertando inclusive Eurídice do peso do renascer, como sinalizado por N e M. Sobre tais consuls, inclusive, haveria muito ainda há se discutir, porém ao entendermos Noah e Mio como forças maiores que a resignação e o desconforto da morte podemos também absorver nossos demônios e aprender a lidar com a morte de forma mais sadia.

Conclusão
Poderia ainda dizer muito além a respeito do título, porém prefiro limitar-me agora. Confesso que, de imediato, certos encaminhamentos no final não me agradaram tanto quanto gostaria, destacando inclusive que, apesar das excelentes mecânicas do boss final, suas duas últimas formas deixam muito a desejar.
Após algumas semanas processando o término, porém, aprecio a ousadia de terem levado a narrativa a uma questão mais poética e simbólica do que personificada e atrelada a personagens exagerados. Ao meu ver, o fim reflete a poesia simbólica por trás de cada detalhe do título, desde a inserção de referências até a escolha das composições sonoras e o sistema de missões secundárias. Os créditos finais fizeram-me sofrer, despertando um choro dolorido, porém brando pelo conforto de compreender o valor do ciclo natural ao invés da autodestruição causada pelas angústias da morte.
Prós:
- Combate compacto e experimental;
- Uma das melhores trilhas sonoras em um jogo;
- Narrativa empolgante, com personagens carismáticos;
- Senso de exploração ampliado pelo escopo de mapas ainda maiores que dos títulos anteriores.
Contras:
- Conclusão ligeiramente apressada.
9,5
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