
Desenvolvedora: Deck Nine Games
Publicadora: Square Enix
Gênero: Aventura, Narrativa
Data de lançamento: 19 de Novembro, 2024
Preço: R$ 249,50
Formato: Digital
Análise feita no Nintendo Switch com cópia fornecida gentilmente pela Square Enix.
Revisão: Davi Sousa
Quando o primeiro Life is Strange estreou em 2015, o jogo pulou o console de mesa da Nintendo da época, o saudoso Wii U. Hoje, anos depois, a coisa mudou bastante e temos toda a série disponível no Nintendo Switch, incluindo o mais novo lançamento da franquia, que é Life is Strange: Double Exposure.
Double Exposure é desenvolvido pela Deck Nine, empresa que já tem certa experiência com a série, tendo trabalhado nos games Before the Storm e True Colors, além do remake do primeiro jogo da série. Mas vale lembrar que o game original e o segundo jogo da série principal são projetos do estúdio francês Don’t Nod.
Gosto muito da franquia. O primeiro Life is Strange foi uma bomba de frescor para a época, trazendo uma linguagem contemporânea e jovem para jogos de narrativa, além de estar na vanguarda dos muitos jogos de “escolha” que temos no mercado hoje. Double Exposure traz a protagonista Max de volta aos holofotes e tem a difícil tarefa de fazer essa ideia funcionar, sem parecer que é mera jogada de mercado para recuperar o interesse dos fãs, o que pode ser uma tarefa difícil, visto que muitos já estão bastante desconfiados dessa premissa. Bom, vamos deixar a especulação de lado e vou detalhar para vocês como foi a minha experiência com o game.
Entre dois mundos

A nível de jogabilidade, Life is Strange: Double Exposure mantém a fórmula já conhecida da franquia, dando aos jogadores a liberdade de controlar a protagonista em ambientes 3D para exploração, podendo interagir com os muitos pontos de interesse no cenário para avançar a história. A grande novidade que temos aqui é o poder da Max de atravessar realidades paralelas; na prática, significa que cada área do jogo tem um espelho, uma versão levemente diferente no segundo universo que Max pode acessar.
Essa estratégia não é tão novidade no mundo dos games: a própria série The Legend of Zelda gosta de brincar bastante com essa ideia para desenvolver puzzles que só podem ser resolvidos se o jogador viajar entre os dois mundos. Sendo sincero, gostei bastante da aplicação aqui, pois ela criou situações e puzzles divertidos em que você precisa encontrar itens ou informações do outro lado para poder progredir, conseguindo informações que seriam impossíveis caso você não tivesse esse poder.

Para aqueles que não lembram, no primeiro jogo, o poder de Max é voltar no tempo e mudar suas decisões. Honestamente, eu acho que os desenvolvedores já aceitaram que beira o impossível pensar em uma ideia melhor de que essa; ali, naquele jogo, tudo se encaixou perfeitamente com o sistema de escolhas e deu uma liberdade impressionante para o jogador. Me admira a Deck Nine nunca ter revisitado essa ideia e buscar um novo “poder” interessante para cada game da franquia; acho, inclusive, que Double Exposure tem a melhor ideia que conseguiram até agora.
Além da nova mecânica, também temos o retorno das muitas escolhas que mudam o rumo da história, elemento presente em todos os games da franquia, mas aqui devo admitir que influencia muito pouco a experiência geral. A sensação que tive é de que a história que seria contada aqui já é bem claramente definida desde o início e mesmo as grandes escolhas influenciam pouco o desenrolar da trama. Algumas decisões podem até alterar o que vai ocorrer, mas é bem claro qual a decisão “correta” que os desenvolvedores querem que você siga para realmente receber todos os detalhes da história.

Inclusive, ao final de cada capítulo, o jogo dá acesso à porcentagem de decisões que cada jogador tomou e dá para notar que a grande maioria “sacou” qual é a resposta correta em cada decisão.
O retorno de Max

É claro que fiquei com um pé atrás quando vi o retorno da Max no trailer de anúncio do jogo; é um pouco estranho, não é? Até agora, cada jogo da franquia teve seu próprio personagem diferente, e revisitar a primeira protagonista anos depois tem muita cara de decisão mercadológica. É óbvio que, no fundo, foi, mas o mais importante acaba sendo descobrir o que os desenvolvedores conseguiram tirar de bom disso.
Double Exposure se passa alguns anos depois do jogo original, mostrando uma Max adulta e que trabalha como professora na universidade de Caledon. O cenário é todo novo, os personagens são novos e tudo que fazia parte de Arcadia Bay é usado apenas como lembrança. O grande foco da história é no assassinato da nova amiga de Max, Safi, que é o motor para os eventos sobrenaturais que acontecem daí para frente.
Eu gosto do fato de o jogo não se sustentar tanto no primeiro. Sei que, para muitos fãs, isso pode acabar sendo um ponto negativo, mas não acho que o jogo precisa trazer de volta Arcadia Bay, a Chloe e tudo mais para funcionar; ele pode tentar trazer aquela mesma Max para um universo novo, com novos problemas, e é o caminho que a Deck Nine escolhe.
Claro que tem muito paralelismo: de novo, temos a amiga da protagonista assassinada, de novo ela é uma personagem de opinião forte, fora outras coisas que não mencionarei para evitar spoilers, mas, na prática, quando joguei, senti que os dilemas colocados se desenvolveram de maneira diferente, mostrando a mudança de perspectiva agora que Max é uma adulta e não uma adolescente.

Então, sim, gostei da caracterização da Max aqui nesse jogo. Acho que a personalidade dela é uma evolução coerente, e não aquela protagonista que irrita, é razoavelmente sensata e abre espaço para o jogador se expressar a partir dela.
Outros personagens do campus de Caledon também se destacam, como Moses e Amanda; gostei das interações com ambos e eles geraram alguns dos bons momentos no jogo. Infelizmente, achei o resto do elenco de personagens pouco inspirado; alguns chegam a esboçar a possibilidade de ficar mais interessantes, mas tenho a sensação de que nunca chegam a realizar seu potencial. A própria Safi, importantíssima para esse jogo, tem momentos que simplesmente a achei antipática e não sei se era o que o jogo realmente queria; se a proposta era criar uma espécie de segunda Chloe, passaram muito longe mesmo.
Saindo um pouco dos personagens e tratando da história como um todo, as coisas pioram um pouco.
Vamos falar da história

A história de Double Exposure é contada em 5 capítulos e, durante toda a experiência, passei por uma montanha-russa de sentimentos. No primeiro capítulo, a sensação é a de que tudo demora um pouco para acontecer; é um início lento, mas que não me incomodou, pois algumas histórias precisam preparar o terreno para os acontecimentos que vão acontecer mais tarde e garantir que tudo faça sentido.
Nesse contexto, no segundo e terceiro capítulos, as coisas começam a andar bastante, o que foi me animando. O jogo traz alguns plot twists empolgantes e que me deixaram genuinamente surpreendido, além de que alguns personagens começam a ficar mais interessantes, a investigação começa a ficar cada vez mais complicada e você se questiona como o jogo irá explicar tudo que está acontecendo.
Mas então, no último capítulo, conforme o final vai se aproximando, o jogo parece perder o gás. O significado de tudo vai se mostrando mais raso do que parecia e os personagens não chegam a lugares verdadeiramente interessantes, encerrando a trama com o final mais sem graça de toda a franquia. Para piorar, a cena pós-créditos indica um triste futuro para os jogos que estão por vir, esvaziando a série Life is Strange de qualquer abordagem psicológica mais interessante e focando em uma perspectiva que parece de um filme blockbuster de super-herói.

Com base nisso, aponto dois grandes problemas com a narrativa do jogo: primeiro, a visível falta de atenção nos capítulos finais do game, que provavelmente foram feitos de forma apressada para lançar logo o game; e, em segundo lugar, um abandono da perspectiva mais sensível e profunda em relação aos personagens, como funcionava nos jogos anteriores.
Enquanto momentos do primeiro Life is Strange me deixavam tenso, angustiado e profundamente conectado com cada personagem do jogo, Double Exposure passa uma sensação consideravelmente mais rasa: alguns personagens não parecem evoluir e seus dramas dificilmente chegam a algum lugar interessante, fora o fato de que é muito difícil se conectar com alguns personagens. Indivíduos como Vinh, Gwen, Reggie, Diamond, Lucas e principalmente o detetive Vince Alderman me deixaram frustrados; muitos pareciam estar caminhando para algo mais interessante, mas, ao final, acabaram não acrescentando tanta coisa interessante para a história principal.
Más notícias para o Nintendo Switch…
É aqui que a coisa fica feia. Tipo, literalmente feia mesmo. É muito raro um jogo me incomodar tanto visualmente no Nintendo Switch a ponto de eu achar que está prejudicando minha experiência, mas Life is Strange: Double Exposure fez isso comigo.
Sendo bem direto: o jogo é extremamente borrado em diversas cenas, ao ponto de muitas vezes eu não conseguir ver corretamente o rosto dos personagens. Não sei o que é exatamente o problema, acredito que seja uma espécie de técnica para tentar simular uma resolução melhor ou um anti-aliasing bastante agressivo, mas, quando as coisas estão em movimento tudo vira um borrão. O jogo ainda abusa de efeitos de desfoque de câmera, que nem sempre parecem desfocar as coisas certas e acabam desfocando a imagem toda.

Para piorar, o sistema de iluminação no Nintendo Switch não foi muito bem pensado e diversas cenas ficam super escuras no console, dificultando o entendimento do que está acontecendo em tela. A cena inicial no boliche abandonado já é uma terrível primeira impressão, onde vários takes estão simplesmente escuros demais para entender o que está acontecendo.

Além desses dois pontos, que são o que mais me incomodou, o jogo obviamente tem uma série de texturas em baixa resolução e modelos simplificados para que tudo funcione no Switch, o que, ok, eu já esperava, mas, em alguns momentos, as coisas ficam muito complicadas e me fizeram questionar se o time de desenvolvimento realmente soube cortar os recursos corretos.
A grande problemática aqui é que Life is Strange é um jogo em que a leitura visual é importante, a expressão dos personagens é importante e até o cenário é importante. Em muitos momentos, a personagem descansa em algum lugar e a câmera passa por diversos pontos para que o jogador possa apreciar cada cena e, bem… nem sempre tem algo para ser apreciado. Deixo como exemplo esse maravilhoso take da lua que parece estar em 16-bits.

É uma pena de verdade, o jogo tem cenas bem-dirigidas no geral e cada ator está dando o seu melhor, mas é difícil apreciar tudo no híbrido da Nintendo. Não é fácil portar jogos da atual geração para o Nintendo Switch, mas sinto que faltou carinho no que foi entregue aqui. Até mesmo o principal poder da Max, de trocar de realidades, tem um delay para acontecer no Switch por conta da exigência de hardware. Não tive nenhum problema considerável relacionado a bugs, mas recebi relatos de amigos que jogaram e tiveram problemas graves, não só na versão do Nintendo Switch.
Alinhando o final apressado do game e esses problemas técnicos, me pergunto se a Square Enix realmente deu o tempo que era necessário para polimento ou apressou os desenvolvedores e, com isso, comprometeu a qualidade do produto final.

Para não dizer que toda a parte técnica está ruim, vale destacar que o jogo conta com legendas na nossa língua, com uma boa localização. Além disso, dentro do menu de configurações, há uma série de opções de acessibilidade para atender a diversos tipos de jogadores.
O que esperar daqui pra frente?

É duro avaliar negativamente um jogo de uma franquia que gosto tanto e, sendo honesto, durante a minha experiência com Life is Strange: Double Exposure, não tive uma percepção tão negativa, mas, depois do final e refletindo sobre tudo que aconteceu, realmente senti que foi uma experiência bem abaixo do que a franquia costuma entregar.
Não sei se a Deck Nine realmente se esqueceu do que a série Life is Strange realmente deveria ser ou se a Square Enix está pressionando para que a série fique cada vez mais fácil de vender; porém, o caminho que a franquia está tomando me desagrada e o final do jogo acaba deixando um gosto amargo para o futuro.
Para os fãs da franquia, eu recomendo que joguem e tirem suas próprias conclusões. O jogo não é tão ruim a ponto de ser doloroso de jogar capítulo a capítulo, pois você vai pelo menos estar entretido com o que está acontecendo. Porém, não dá para recomendar a versão para o console da Nintendo, realmente recomendo que procure jogar em outra plataforma.
Prós
- A nova mecânica que permite navegar entre dois mundos funciona bem e cria novas possibilidades de puzzles;
- A caracterização de Max e alguns personagens é positiva e não gera antipatia;
- O ponto médio da história consegue entreter bastante com reviravoltas inesperadas.
Contras:
- A narrativa do jogo se distancia da proposta sensível e psicológica que normalmente caracterizam a série;
- O capítulo final parece mal-acabado e não consegue encerrar o game de maneira satisfatória;
- Elenco com muitos personagens rasos e antipáticos que não conseguem sair da superfície;
- O visual e a performance no Switch prejudicam a experiência consideravelmente.
Nota Final:
6