Desenvolvedora: Experience
Publicadora: Aksys Games
Data de lançamento: 28 de outubro, 2021
Preço: R$ 305,95
Formato: Digital / Físico
Análise feita no Nintendo Switch com chave fornecida gentilmente pela Aksys Games .
H.P. Lovecraft, escritor que revolucionou o gênero de terror misturando-o com elementos de fantasia e ficção científica, mencionou certa vez, em Supernatural Horror in Literature (1927), que “a emoção mais poderosa e antiga da humanidade é o medo, e o mais antigo e poderoso tipo de medo é o medo do desconhecido. ” Dentro do gênero dos RPGs, esse tipo de medo costuma ser particularmente explorado no level design claustrofóbico, imprevisível e labiríntico do subgênero dungeon crawler.
Hoje analiso um jogo que busca explorar esse sentimento ao mesmo tempo em que procura desenvolver a liberdade mecânica e de customização dos mais variados personagens que podem ser empregados em um grupo (party) de RPG. Mas, antes, como sou um colaborador intruso (escritor convidado) por aqui, talvez convenha me apresentar.
Vítor Costa, ou “Vivi” (como mais conhecido no Twitter), sou basicamente alguém com formação em História e Filosofia que gosta muito de artes (especialmente literatura e música), videogames portáteis e mecânicas de stealth, puzzle e, acima de tudo, RPG. Talvez você repare nessas influências em meu texto. Escrevo análises e outras coisas sobre jogos no Nintendo Blast, em português, e sobre game design na SUPERJUMP, em inglês. Para falar dessas coisas, também tenho um podcast: Meta Quest Cast. E agradeço caso se interesse em dar uma olhadinha nos meus projetos.
Bem… voltemos ao calabouço do dia. Desenvolvido pela Experience e publicado pela Aksys Games, Undernauts: Labyrinth of Yomi (Switch) é um RPG do subgênero dungeon crawler de horror com elementos fantásticos de JRPG e ficção científica, os quais estão presentes em mecânicas tradicionais e flexíveis de RPG — comparáveis àquelas encontradas em alguns tipos de RPG de mesa —, mapas labirínticos com gráficos estáticos dos cenários e personagens — cujas bases remontam à influente série Wizardry — e em uma narrativa ao mesmo tempo direta e rica em referências, como já a de outros JRPGs desenvolvidos pela Experience, Inc.
As expedições no labirinto de Yomi
Undernauts se passa quase inteiramente em Yomi, um misterioso labirinto que surgiu em Tóquio. O jogador controla um dos vários grupos de expedições enviadas para lá a fim de investigar e mapear o local, porém o jogador acaba preso em Yomi, precisando achar um jeito de retornar à superfície. O grupo do jogador é composto ativamente por até seis personagens, os quais são selecionados entre dezenas e podem ser personalizados em seus atributos e equipamentos, mas possuem classes fixas.
As expedições em Yomi são motivadas não apenas a fins de segurança e conhecimento, mas também, e sobretudo, a fim de obter recursos especiais encontrados por lá. Parte dessas expedições funciona com investimento governamental, mas também empresas privadas, como a Cassandra Corporation, financiam expedições por seus próprios interesses. A trama levará o jogador linearmente a entender o interesse dessas empresas e os mistérios por trás desse labirinto.
Além da resolução dos mistérios em si, a trama possui significativas referências literárias e filosóficas usadas para ajudar (ou confundir) o jogador, sobretudo em falas das criaturas no labirinto, como, por exemplo, em uma passagem em que é usada a frase “só sei que nada sei”, de Sócrates, para incentivar o jogador a reconhecer sua ignorância e buscar a verdade. Várias dessas aplicações, infelizmente, e diferente de jogos como Shin Megami tensei III: Nocturne, não são coerentes com uma ideia geral, e suas apropriações são supérfluas.
Sombrio, monótono e claustrofóbico
A estética audiovisual de Undernauts resume-se praticamente a um labirinto subterrâneo, com alguns acampamentos de expedições de exploração e também alguns espaços mais específicos, como prisões e locais ritualísticos. O ambiente é quase sempre cavernoso, mas nem tão escuro (poderia aproveitar melhor a iluminação), e a exploração é quase totalmente solitária, exceto por momentos em que é possível utilizar um comunicador ou se encontrar com criaturas misteriosas e alguns dos poucos NPCs humanos que não os membros do grupo.
Dentro dos calabouços, o grupo ocupa uma célula e a movimentação é célula a célula no mapa. É possível transferir para câmera livre, porém somente para olhar as redondezas, não sendo possível se movimentar livremente. Durante a exploração, os encontros são, em geral, aleatórios, quando uma região do mapa não está mapeada. Após mapeadas, o jogador poderá encontrar ícones fixos que indicam quando há um inimigo em uma determinada célula.
A ambientação é pouco variada e as texturas são reaproveitadas, tornando a mecânica de girar a câmera de pouco valor estético e limitada ao uso prático de constatar inimigos, tesouros ou outros pontos no mapa. Esses cenários simples têm consequência na experiência de exploração em si, tornando-a monótona, algo que se agrava pelo fato dos inimigos não serem muito variados, e estarem nos lugares já mapeados em locais previsíveis e sem se movimentarem.
Por outro lado, a trilha sonora possui um ótimo design de som atmosférico com música ambiente (composição que se usa de efeitos sonoros e sons concretos para se misturar com o ambiente) que sugere um local abandonado, misterioso e amedrontador. O gameplay, porém, arrefece contraditoriamente essa tensão, já que o jogador tem muito controle sobre quando iniciar uma batalha ou para onde ir.
Quanto às músicas de fundo (músicas que não se misturam com o ambiente), são de estilo orquestral, mas com um conjunto musical simples, quase sempre em tom menor, com melodias espaçadas e ênfase em cordas e sopro, não possuem nada de muito interessante na harmonia ou no ritmo e nem frases melódicas marcantes, mas fazem um bom trabalho em manter a tensão sombria do jogo — especialmente em chefes —, de modo que as transições entre momento de exploração e momento de batalha por turno tornam-se bem suaves.
Caso tenha interesse em saber mais sobre diferença entre música ambiente (ambient music) e música de fundo (background music) em videogames, lembro que escrevi um ensaio específico sobre o assunto na SUPERJUMP (inglês).
Agora, voltando à questão das transições… Durante elas, e não só em batalha, mas também em momentos de construir ponte ou outras interações no espaço, às vezes ajuda o fato de utilizarem faixas de manutenção, no caso de momento de construção, e algumas outras coisas, embora nem sempre sejam boas escolhas.
Transição de exploração para batalhas em turno não é algo fácil de se fazer em RPGs, e só mais recentemente elas têm se tornado mais sofisticadas. Um trabalho que considero muito bom a respeito de transições e como afetam a experiência narrativa do jogo é o livro Interactive Stories and Video Game Art (2016), de Chris Solarski.
Ao meu ver, o Undernauts apresenta um problema que esse autor chama de “falta de escalada de tensão” (lack of escalating tension). É algo comum em RPGs com encontros randômicos que ocorrem sem um prenúncio (foreshadowing). No caso de Undernauts, mesmo quando se pode visualizar os inimigos no mapa, por eles serem estáticos e previsíveis, não engaja emocionalmente o jogador em um combate dramático, que seja ao mesmo tempo prenunciado, impactante e inevitável.
Acredito que o fato da atmosfera também sempre se manter no mesmo clima e as músicas serem de pouco destaque é algo que agrava esse problema, pois traz poucos contrastes à experiência do jogador. Por outro lado, não é de todo ruim, pois mantém uma consistência de clima de horror acima do comum em dungeon crawler, aproximando-se de jogos especializados em terror.
Simultaneamente versátil e genérico
A jogabilidade de Undernauts: Labyrinth of Yomi pode ser dividida em dois eixos, o primeiro é o das mecânicas empregadas para a exploração; o segundo, o sistema de batalha e os subsistemas de gerenciamento de grupo.
Do ponto de vista da exploração, optou-se por um level design estreito para os caminhos do labirinto. Desse modo, torna-se muita vez inevitável passar por combates, mesmo quando possível de se ver inimigos pelo caminho, uma vez que bloqueiam a passagem. A dificuldade de se esquivar desses confrontos pode incomodar, pois o jogador com alguma frequência precisará ir e volta em alguns locais, por fins de reconhecimento espacial ou de reabastecimento de recursos.
Por outro lado, os caminhos estreitos aumentam a sensação claustrofóbica de Yomi e incentivam o jogador a se engajar em mais batalhas, o que será de grande valia para desenvolver seus personagens. Nem sempre, porém, os caminhos acabam em locais seguros (onde se compra itens etc.), pontos de objetivo ou meros becos sem saída. A exploração é enriquecida pela possibilidade de desarmar armadilhas, além de investigar terrenos, construir pontes, escavar túneis etc. utilizando flores de Yomi.
Contudo, essas mecânicas das flores são empregadas em pontos pré-determinados cada qual marcada no mapa de uma forma diferente, de modo que, infelizmente, são subutilizadas tanto do ponto de vista de puzzles quanto do ponto de vista de ampliação da liberdade criativa do jogador para a locomoção no labirinto.
O sistema de batalha também não traz muita novidade a quem já conheça dungeon crawlers, trata-se de um sistema de turnos tradicional sem quaisquer modificações que o torne mais dinâmico, tais como o ATB em Final Fantasy ou o Press Turn em Shin Megami Tensei. Até pelo contrário, o fato de ter um grupo grande de personagens e da interface ter várias opções que não podem ser simplesmente usadas a esmo tornam as batalhas lentas e repetitivas, mesmo que com a opção de alta velocidade para as ações do turno (após selecionadas).
Por outro lado, há uma riqueza de customização do grupo que resulta em diferentes possibilidades gerenciamento de combate. Essas customizações vêm desde um número expressivo de diferentes personagens escaláveis até investimento de pontos de atributos e outros fatores, como um sistema de boost. Uma pena que não seja possível usar save manual no jogo e explorar diferentes possibilidades de gameplay em um save paralelo.
Convém destacar que tal riqueza de customização é, aqui, um diferencial, já que, diferente do CRPGs, cada vez menos encontra-se nos JRPGs de hoje em dia. Algo, aliás, que também já discuti em alguns textos e, mais recente, em um episódio de meu podcast: MetaQuest 3.
Como sempre digo, isso costuma vir com algum custo. O principal deles é o de que os personagens tendem a ficar mais deslocados na trama; não foram desenhados especificamente para ela. E isso também ocorre em Undernauts. Embora o jogador deva escolher com cuidado o seu grupo, pois pode montar configurações de classes que dificultarão muito sua vida, essas escolhas nada influem no fluxo da trama e os personagens não exercem papéis significativos para o rumo dela: são peças substituíveis em um enredo maior cujo elenco é bastante genérico.
Um dungeon crawler competente, atmosférico e versátil
Undernauts: Labyrinth of Yomi (Switch) é um jogo relativamente acessível para novatos em dungeon crawler, muito embora ele apresente uma versatilidade e um número de variáveis maior do que o usual em JRPGs populares, o que pode requerer um pouco de paciência no início. Ademais, também é uma indicação (com as ressalvas já discutidas) a fãs desse subgênero, podendo-se tirar bom proveito especialmente de sua estética e de seus aspectos técnicos em mecânicas de RPG. O jogo tem potencial para levar fãs de horror para dentro do mundo dos dungeon crawlers e competência e criatividade técnicas o bastante para não decepcionar veteranos no estilo.
Por outro lado, o título da Experience, como discutido, carece de profundidade narrativa e aproveitamento de personagens, é carregado de monotonia e repetição, e possui significativas limitações de suas ideias para o level design.
Prós
- Ótima música ambiente e atmosfera sombrias;
- Boa variedade de mecânicas para exploração;
- Sistemas versáteis para customização e gerenciamento em combate.
Contras
- Falta de profundidade e maior polimento narrativo;
- Músicas de fundo (como para batalhas) repetitivas e pouco marcantes;
- Ambientação e exploração monótonas;
- Mecânicas subutilizadas;
- Level design às vezes problemático para a orientação fora do mini mapa;
- Sem possibilidade de save manual.
Nota Final:
8
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