Desenvolvedora: Seedy Eye Software
Publicadora: Limited Run Games
Gênero: Adventure, Plataforma
Data de lançamento: 14 de fevereiro, 2024
Preço: U$ 19,99
Formato: Digital / Físico
Análise feita no Nintendo Switch com cópia gentilmente fornecida pela Limited Run Games.
Revisão: Marcos Vinícius
Os grandes ícones da indústria de videogames são sempre tão enaltecidos o tempo todo, desde os títulos memoráveis que jamais receberam uma sequência, remakes ou relançamentos; franquias que são lendárias e foram estabelecidas logo nos primórdios; estúdios de prestígio que não erram no seu currículo; game designers e diretores que criaram uma reputação impecável e até mesmo o raro jogo licenciado dos anos 90 e 2000 que cultivou um nicho e hoje é lembrado com carinho por fãs… Mas se tem uma coisa que a audiência e até mesmo o jornalismo de games adora fazer, é apontar dedos e nunca esquecer dos grandes fracassos e fazer chacota sem exaustão, e parece que sempre estão aguardando a próxima grande gafe acontecer pra virar o alvo de zombação por alguns anos.
Mas nada é mais infame do que a colaboração relutante entre a inabalável Nintendo com seus títulos de alta excelência e que são os pilares de muitos gêneros, e a Philips em 1990, sem nenhuma capacitação ou preparo para adentrar a corrida de consoles. E se mesmo com toda essa carga você não conhece o ocorrido, aí vai a versão resumida da ópera: A Big N pretendia lançar uma versão aprimorada do SNES com um leitor de disco e fez uma parceria inusitada com a Sony na época; Mas devido a conflito de interesses entre as empresas japonesas, a Nintendo desistiu do contrato de última hora e se bandeou para o lado da Philips, que apesar de não ter cumprido a sua parte de fabricar tal aparato no fim das contas, ainda conseguiu os diretos de utilizar franquias da Nintendo em seu próprio console multimídia, o “Philips CD-i.” Bom… a Nintendo finge que isso não aconteceu, mas todos nós sabemos que o resultado foi 4 jogos de qualidade questionável que foram produzidos e publicados pela Philips em seu console, sem nenhuma supervisão ou aprovação de ninguém da Nintendo.
Desses 4 jogos, 3 deles são da série The Legend of Zelda, uma das IPs mais prestigiadas de todo o mundo, com um histórico praticamente categórico, e esses jogos são conhecidos como a mancha nessa sequência perfeita de títulos. Foram alvos de piada por décadas (e ainda são), especialmente a duologia feita pelo o estúdio russo Animation Magic (Link: The Faces of Evil e Zelda: The Wand of Gamelon), com suas cenas animadas excêntricas que se popularizaram em vídeos editados de humor no YouTube .
Mas e se eu te disser que há sempre uma perspectiva diferente para até os títulos mais ridicularizados em massa? Afinal, não é incomum você se deparar na internet com alguém falando do quão incompreendido e subestimado é esse jogo de plataforma 3D lançado às pressas em 2006, cheios de glitches e bugs, e uma história peculiar… É normal, ninguém é obrigado a aceitar a opinião popular generalizada sobre um determinado assunto como a verdade; Existem elementos inflexíveis e certos pontos que são indiscutíveis, como a programação de um jogo ser claramente falha ou outras coisas palpáveis e mais objetivas; mas quando se diz respeito de impacto pessoal em cada indivíduo, você não pode negar que há a chance pequena, mas existente, de que aquilo vá bater diferente, e talvez seja de forma positiva.
E assim você chega no cenário onde um sucessor espiritual da famigerada duologia Zelda do CD-i é uma realidade em 2024! Depois de remasterizar e restaurar os dois Zelda para PC, os gênios do estúdio apropriadamente chamado Seedy Eye Software, lançaram a pérola Arzette: The Jewel of Faramore para o Switch, e hoje nós estamos aqui para aplaudir não só o jogo, mas todo o talento e a coragem em fazer algo tão autêntico às suas inspirações! Tudo isso enquanto se preocupando bastante em modernizar a experiência e fazer o possível para que os erros mais graves dos jogos que se baseiam, sejam propriamente corrigidos, sem tirar sua essência que proporciona o charme do projeto.
Ótimo! Vou pegar minhas coisas!
Com uma premissa bem familiar, o jogo conta a história do reino de Faramore, onde um terrível demônio chamado Daimur atacou com seu exército de monstros e causou terror por anos, até que foi impedido pela resistência do rei Rahklin, com sua filha guerreira Arzette e o herói nada destemido Wogram, selando o malfeitor num livro mágico por 10 anos. Até que Nodelki, o servo leal de Daimur, consegue soltar seu mestre da prisão, e o caos retorna ao mundo! Dessa vez, no entanto, a princesa Arzette parte sozinha para enfrentar as forças do mal, restaurar a luz nos faróis de Faramore para dissipar o magia negra de Daimur e derrotar de uma vez por todas este vilão.
Toda essa exposição é feita detalhadamente em cenas animadas exatamente da forma que você espera de um título baseado nos jogos de CD-i, e é simplesmente um deleite para os olhos! Não importa se você acha que a arte é horrenda e o material de origem é uma piada, é muito difícil não apreciar o quão longe eles foram na autenticidade da apresentação em Arzette (para o bem, e para o mal, diga-se de passagem).
Porém, ao contrário de Faces of Evil e Wand of Gamelon, toda interrupção com cinemáticas podem ser puladas a qualquer momento, e isso já te dá uma certa noção dos pequenos aprimoramentos de qualidade de vida que a Seedy Eye Software pensou para seu jogo.
E tão como as suas inspirações, Arzette é um jogo derivado de Zelda II: The Adventure of Link (e um pouco de Wonder Boy), uma fórmula que a própria Nintendo jamais retornou (há quem diz que foi justamente os jogos do CD-i que fez com que eles se acovardassem em revisitar), no entanto com uma estrutura muito mais linear, novamente, algo que vem direto dos seus irmãos mais velhos. É uma aventura sidescroller, com leve elementos RPG, com mapas de inicio, meio e fim, com NPCs ao longo do caminho precisando de ajuda em uma missão paralela ou mandatória pra prosseguir, mas há também uma pitada de Metroidvania que dá Arzette a identidade necessária, para não ser apenas uma mera cópia com novos personagens.
Logo de cara, você estará livre para explorar múltiplas áreas do jogo de uma vez só, com a conclusão de cada uma delas abrindo mais um punhado conforme seu progresso. Tudo vai depender da sua observação em questões particulares de cada um desses estágios, e retornar com o item correto para prosseguir, seja uma lanterna para iluminar o seu caminho, bombas para explodir uma parede claramente destrutível, ou depois de receber algo de interesse de um NPC por resolver dilema dele.
Embora as visitas em vão dessas fases lineares podem ser frustrantes (algo que eu tenho certeza que foi intencional para replicar a estrutura de Faces of Evil e Wand of Gamelon), os trajetos são curtos, com checkpoints regulares entre salas, o level design é bem sinalizado e legível (felizmente uma das poucas coisas que não foi adotada do legado de CD-i) e você pode sair delas a qualquer momento com o menu de pausa, depois de já ter concluído uma certa tarefa por lá, sem ter que precisar chegar no fim da fase são e salvo para registrar seu progresso. Além do mais, há múltiplos objetivos alternativos e coletáveis opcionais em toda fase para fazer, então mesmo durante a tentativa e erro para descobrir como solucionar o enigma pra progredir, você sempre terá alguma recompensa tangível.
Por exemplo, toda fase tem uma sala bônus para você coletar mais Rubis (não foi um erro de digitação), que variam desde derrotar todos os inimigos, encontrar a saída no escuro, quebrar alvos que se movem, e até uma bem vinda referência a Hotel Mario! E com esses Rubis, você pode comprar itens no HUB no castelo de Faramore, que ao longo do jogo também vai expandindo as áreas que você pode explorar.
Squadala, vamo bora!
Quando diz respeito a comandos e controle, a princesa Arzette é munida de apenas um ataque básico com sua espada na horizontal; O pulo básico pode ser feito com o D-Pad para cima como nos jogos do CD-i, ou você pode trocar para o botão B nas configurações do jogo; O arco do pulo é um tanto rígido, mas nada que atrapalhe na mobilidade; E claro, ela também pode andar agachada (cool, huh?!). Além de itens equipáveis que podem ser utilizados enquanto há quantia disponível, o jogo também irá ocasionalmente te pedir que use itens sensíveis ao contexto, como uma corda para subir a superfície em uma caverna.
O combate em Jewel of Faramore não é nada elegante; sua espada tem um alcance curto (quando não empoderada com projétil) e inimigos raramente tendem a revidar, com um pequeno golpe congelando eles por um instante, e os oponentes mais robustos precisando de uns dois ou três ataques para serem derrotados. Em contrapartida, o jogo não é generoso com i-frames quando Arzette é atingida e não há nem mesmo uma animação pra indicar dor ou knockback ao trombar com membros da armada de Daimur, e com míseros 3 corações no início da sua jornada, morte é muitas vezes garantida, até que você decore padrões e descubra a melhor abertura para atacar ou pular por cima de um obstáculo. Isso tudo, mais uma vez, é legado dos jogos do CD-i, porém, aliviado com os checkpoints supracitados e com o fato que você não tem uma quantia de vidas limitada! É tentar e tentar até conseguir!
Hmmm… rrrico (de autenticidade)!
E pra fechar o pacote de apresentação, além de todo o cuidado de ter as animações super caricatas pra todo NPC, chefe e interação maior que Arzette encontra no caminho, o trabalho de pixel art durante o gameplay é mais que perfeito! Uma arte muito específica de se imitar, mas foram além na quantidade de frames de animação para inimigos é até nos ângulos de certas poses! Os menus e fontes basicamente 1:1 vistos em Faces of Evil/Wand of Gamelon. E some com os efeitos sonoros muitas vezes “stock”, os mesmos usados no CD-i, e uma trilha sonora sintetizada cheia de entusiasmo, com a melodia principal sendo levemente alterada (cortesia do talentoso Jake Silverman); O único detalhe que talvez deixe a desejar são as pinturas de cenários que era um dos pontos altos de Zelda no CD-i (feitos pelo o mesmo artista, Rob Dunlavey) , mas novamente, isso foi certamente um sacrifício em prol de legibilidade no gameplay e por isso, conta-se como positivo.
Não posso deixar de comentar também que a paixão desse time foi ao ponto de trazer Bonnie Jean Wilbur e Jeffrey Rath, as vozes originais de Zelda e Link respectivamente na duologia CD-i, para dublar personagens e narrar a aventura! A dedicação está além de Hyrule, e até além de Koridai!
Se você aprecia jogos pelo o que eles são, fascinado por como são feitos e toda parte artesanal que vai em cada um dos mínimos detalhes, você faria um desserviço a si mesmo em não dar uma chance pra Arzette! Há grandes chances, inclusive, que seus olhos sejam abertos pra enxergar mais dos pequenos milagres que são jogos como Faces of Evil e Wand of Gamelon sejam sequer concluídos, dada as circunstâncias, hardware e tempo. E quem sabe assim, pelo menos uma pessoa mudará de posição na hora de apenas fazer piadas com jogos que, sejamos francos, nunca foram feitos propositalmente ruins.
Prós
- Uma réplica de todo o espirito dos jogos do CD-i que transpira paixão;
- Personagens carismáticos;
- Trilha sonora cativante;
- Supreendentemente Pró-LGBTQ+;
- Legibilidade de QoL além de suas inspirações;
- Localização em PT-BR.
Contras:
- A mesma fidelidade aos títulos de CD-i pode frustrar em certos aspectos;
- As pinturas de cenários, apesar de ainda belas, não capturam a mesma essência dos jogos que os inspiram;
- Backtracking e Trial & Error em excesso.
Nota Final:
8
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