Desenvolvedora: MAGES.
Publicadora: PQube
Gênero: Visual Novel
Data de lançamento: 23 de outubro, 2024
Preço: R$ 218,81
Formato: Físico/Digital
Análise feita no Nintendo Switch com cópia fornecida gentilmente pela PQube.
Revisão: Marcos Vinícius
Quando eu era criança, tive a oportunidade de jogar vários jogos de Neo Geo Pocket. Curioso, eu cheguei a testar até mesmo alguns jogos em japonês, mesmo não sabendo nada do que estava escrito. Uma dessas obras era Memories Off Pure, um jogo que só depois fui saber que era uma espécie de prequel para uma visual novel (gênero que eu nem conhecia na época) da KID que teve entre seus escritores Kotaro Uchikoshi, que ganhou uma legião de fãs internacionalmente com o brilhante 999: Nine Hours, Nine Persons, Nine Doors no DS.
Em comparação com a linha Infinity, Memories Off sempre foi uma franquia mais focada nas belas garotas e no drama do relacionamento do protagonista com elas, se preocupando mais com a naturalidade das doses de cotidiano da experiência. Para minha grande tristeza, a série nunca teve sequer um lançamento em inglês, embora tenha tido um grande compilado das obras passadas no Switch e Innocent Fille (a mais recente iteração) tenha sido lançada até mesmo no Steam.
Mesmo nessas condições, a PQube decidiu arriscar e trazer o recente spin-off, SINce Memories: Off the Starry Sky, para o Ocidente. A obra se passa no mesmo universo dos jogos anteriores e permite que finalmente quem não sabe japonês tenha a oportunidade de ver um pouco do charme da série iniciada em 1999.
A sombra do passado
SINce Memories conta a história de Junya Mizumoto, um jovem rapaz que vive uma vida simples trabalhando na loja da família enquanto estuda na faculdade. Porém, recentemente, o seu irmão mais velho faleceu em um acidente. Os dois estavam juntos em um carro e Junya perdeu as memórias dos momentos-chave do acidente, lembrando-se apenas de ter entrado no carro e do que ocorreu após ser socorrido.
Quase um ano já se passou do evento, mas o rapaz ainda carrega o luto à flor da pele. Remorso, culpa e a angústia profunda de não poder mudar o passado se misturam, criando ainda mais dor e sentimentos complexos que pesam sobre suas costas no presente.
Vivendo à sombra do passado, Junya ainda tenta seguir em frente do seu próprio jeito. Porém, um dia, enquanto estava na loja da família, uma estranha garota aparece e o acusa de ser responsável pela morte do irmão.
Sem pessoas do seu lado, talvez essa situação toda o levasse ao fundo do poço. Porém, SINce Memories está longe de ser uma história de tragédia. Na verdade, é uma história sobre os laços que o rapaz forma com as belas garotas ao seu redor e a forma como eles ajudam a moldar o seu futuro.
Laços que iluminam o presente
Junya não está sozinho e na verdade tem várias garotas ao seu redor que gostam do rapaz e querem que ele tenha um futuro melhor. Além de amigas de longa data, temos também personagens que ele conhece durante o jogo e essas novas garotas acabam se tornando uma parte importante do seu cotidiano e notando o quão esforçado o rapaz é.
Em particular, o nosso protagonista é meio que pau para toda obra, fazendo vários serviços para a população local. Parte da história envolve ele recebendo trabalhos das garotas com as quais pode se aproximar, sendo essas tarefas uma parte importante do que liga o rapaz a elas.
As opções de relacionamento são ao todo cinco. Primeiramente, temos Chihaya, uma amiga de infância rica que já está noiva em um casamento arranjado. Apesar dessas condições, os dois sempre foram muito próximos de tal forma que a garota dificilmente faz algo sem envolver o rapaz e sua amiga Hinata. Quando ela decide renovar a mansão de seu avô para evitar que ela seja demolida, ela acaba naturalmente envolvendo os dois.
Hinata é outra opção romântica. Sempre tendo pensado em Chihaya como uma princesa, ela é do tipo que acaba se deixando de lado em prol de sua amiga e que sempre imaginou Junya e Chihaya juntos. Ela também é otaku, super dedicada às personagens das séries que curte, com especial amor por garotas que parecem princesas.
Já as outras personagens são todas novos contatos. Primeiramente, temos Chunyu, uma estudante de intercâmbio advinda da China. Sem papas na língua, a garota costuma ser bem ousada em falas e atitudes. Ela está atualmente em busca de uma certa relíquia do seu bisavô, além de ter um forte interesse por antiguidades. Assim como Chihaya, ela é uma garota rica e isso molda um pouco da forma como ela interage com as pessoas, mas ela tem um estilo bem casual e caloroso, fazendo amigos por onde passa.
Outra novata na vida de Junya é Yuriko, uma jovem que acaba de se mudar para a região e que, por algum motivo, parece ser atraída a voltar recorrentemente à loja da família do protagonista. Cada vez que encontramos com ela, mais detalhes sobre ela são revelados, já que ela tende a esconder informações sobre si, embora sempre fique óbvio quando ela está mentindo.
Por fim, ainda temos Azusa, a garota que acusa o protagonista de ter matado o irmão. Embora tente manter um ar de mistério, a pequena é como um esquilo assustado. Teimosa, ela é o tipo de pessoa que insiste no erro só para não dar um gostinho de vitória para seus “adversários”. Por conta disso, a relação dela com o protagonista é marcada por uma grande dificuldade de comunicação, mesmo que eles não sejam de fato inimigos e pudessem estabelecer uma conversa franca. Vale destacar que ela tenta monitorar o protagonista e suas ações para evitar que ele tente roubar o lugar do irmão, mas, apesar de toda a bravata, ela não odeia de fato o protagonista.
Uma fatia de cotidiano
A ideia de SINce Memories é a de focar em aspectos cotidianos, de tal forma que a hora que o drama chega de uma forma impactante e convincente dentro daquele microcosmo de eventos. Em alguns momentos temos que tomar decisões simples, algumas das quais podem levar a finais ruins (ou fazer a diferença entre “final bom” e o “melhor final”). Algumas escolhas mais importantes fazem com que tenhamos que escolher diretamente entre duas garotas para dedicar nossa atenção, o que leva a uma bifurcação da trama em rotas.
De forma geral, o aspecto mais mundano é explorado em todos os elementos da experiência. Temos personagens com designs relativamente modestos (embora bonitos), ambientação moderna tanto em vestimentas quanto nos cenários, e uma trilha sonora que em muitos momentos reforça uma sensação de familiaridade e conforto. Visualmente, ainda temos uma ótima variedade de expressões faciais e animações como movimentação labial, embora alguns personagens secundários de baixíssima relevância nem sequer tenham sprites.
Elementos mais misteriosos aparecem em conta-gotas, seguindo um estilo “slow-burn” em que a trama se esforça em nos deixar investidos nos personagens primeiro e só trazer situações mais tensas ocasionalmente. A dublagem em japonês das garotas é de alta qualidade e ajuda a reforçar as suas personalidades e algumas nuances, sem grandes excessos. O protagonista infelizmente não tem voz durante a maior parte da trama, com algumas exceções.
Uma interface modesta
Em termos da experiência da visual novel, temos as funcionalidades básicas de log, skip e auto disponíveis. O log não permite rever cenas anteriores, exigindo que o jogador mantenha saves adequados para explorar todas as ramificações, mas é possível escutar novamente os diálogos.
O jogo possui 48 slots de save e a possibilidade de fazer “lock” para não apagar os mais importantes. Além disso, temos um sistema de quick save que também é aproveitado pelo sistema de save automático que ativa quando entramos em novas cenas.
No menu principal durante o jogo, podemos acessar os saves, ver um manual com os controles, e ajustar configurações como volume das falas de cada personagem, velocidade das mensagens ou determinar quando o save automático deve ser ativado automaticamente. Fora do jogo, na tela inicial, temos um menu “Memories”, que permite ver quanto do jogo foi explorado, rever ilustrações (e a abertura do jogo) e escutar as músicas em uma playlist.
Tanto esteticamente quanto em funcionalidade, trata-se de uma interface e disposição de menus bem básica para o gênero e quem está acostumado a um conforto maior com obras como as da Otomate sentirão a queda de qualidade, embora não seja nada que comprometa de fato a experiência e seja possível pensar nela como uma tentativa de um pouco de minimalismo.
O que realmente é um problema grave da experiência é que há muitas falas com erros de digitação e tradução. É nítido que o jogo precisava ter passado por um pente fino para estar em qualidade aceitável, pois há vários momentos em que as falas ficam até mesmo incoerentes, trocando os personagens a que deveriam estar se referindo, “comendo” palavras, etc. São situações que atrapalham bastante a leitura, embora haja também momentos bem escritos, então fica a sensação de que faltou uma revisão adequada no QA.
Também não é possível usar a touchscreen, o que deixa a experiência bem menos confortável do que poderia ser. É sempre uma pena quando isso acontece em uma visual novel no Switch e aqui não é exceção.
O vislumbre do céu estrelado
SINce Memories: Off the Starry Sky é uma visual novel envolvente em seu aspecto cotidiano com elementos de drama e mistério construídos de forma lenta junto com o desenvolvimento da relação entre os personagens. A qualidade da tradução infelizmente acaba deixando a desejar, com erros grosseiros que não deveriam passar por nenhuma revisão, mas a experiência como um todo ainda é uma fácil recomendação para quem gosta do gênero e quer conhecer esse primeiro contato do Ocidente com a clássica franquia Memories Off.
Prós
- A boa variedade de belas garotas leva a opções bem interessantes de relacionamento e ramificações narrativas;
- A trama slow-burn com mistério e drama é bem convincente e trabalha de forma muito boa as personalidades e nuances de cada indivíduo envolvido;
- Direção audiovisual bem pensada em prol da “simplicidade”, com bela dublagem de personagens e tom mundano para a narrativa;
- Pequenas animações e variações de sprite ajudam a dar expressividade às personagens.
Contras:
- Erros de tradução e falta de revisão para alguns diálogos torna algumas falas completamente incoerentes com o contexto;
- Não permite o uso da touchscreen;
- Interface genérica e navegabilidade básica com log de diálogos que não permite voltar a eventos anteriores.
Nota Final:
7,5