Desenvolvedora: MAGES. Inc.
Publicadora: Nintendo
Gênero: Adventure, Mistério
Data de lançamento: 14 de Maio, 2021
Preço: R$ 179,00 (cada jogo)
Formato: Digital
Análise feita no Nintendo Switch com cópia disponibilizada gentilmente pela Nintendo.
Nos últimos anos vem sendo cada vez mais comuns os lançamento globais, mas isso não era muito comum até não muito tempo atrás, seja porque seu gênero não era popular no Ocidente, ou até por problemas de licenciamento. O fato é: isso era um problema que afetava o mercado como um todo, desde pequenas, até grandes empresas como a Nintendo, que possui franquias que nunca haviam tido sequer um título lançando no ocidente até hoje. Uma delas é a franquia Famicom Tentei Club, agora nomeada Famicom Detective Club no Ocidente, que foi uma das mais influentes no gênero de jogos de aventura japoneses como um todo, e que, depois, de quase 33 anos está finalmente recebendo seu primeiro título do lado de cá do oceano.
Contextualizando
Pessoalmente, sempre que leio, assisto ou jogo algo com alguma relevância histórica, acho interessante, e as vezes até necessário, entender o contexto daquela obra, e com Famicom Detective Club não foi diferente, por isso, ao invés de escrever diretamente sobre os remakes recém lançados, gostaria de fazer uma breve introdução a franquia.
Como já citado anteriormente, Famicom Detective Club definitivamente não é uma franquia nova, na verdade, é uma das franquias mais antigas pertencentes à Nintendo, sendo apenas 3 anos mais nova que a série Super Mario, que completou 35 anos em 2020. O primeiro jogo da série, The Missing Heir, foi lançado em 1988 em dois volumes para o Famicom Disk System (um add-on que permitia a leitura de jogos em disquete). No quesito gameplay, o jogo pode ser considerado relativamente simples: o jogador interage com o mundo através de um menu, com opções para pegar itens, interagir com o cenário, conversar com personagens presentes na cena – que pode se dizer ser o foco. A história foi inteiramente escrita por Yoshio Sakamoto, sendo esse seu primeiro grande trabalho na indústria, o qual o mesmo considera um ponto de virada em sua carreira.
O segundo jogo da série, The Girl Who Stands Behind, foi lançando para o mesmo Famicom Disk System, com um intervalo de pouco mais de um ano com relação a seu antecessor, usando a grande maioria dos sistemas de seu antecessor, mas trata de alguns aspectos sobrenaturais, temas que não estão presentes (pelo menos não de forma concreta) no primeiro jogo.
BS Tantei Club: Yuki ni Kieta Kako: Chuuhen é o terceiro e mais obscuro jogo da série, disponibilizado exclusivamente por meio de 3 transmissões pelo Nintendo Satellaview (um acessório exclusivamente nipônico para o Super Famicom, que fazia uma espécie de “streaming” de jogos por satélite). A escassez de informações sobre esse título da série é evidente, o fato de cada uma de suas 3 partes terem sido disponibilizadas apenas duas vezes — transmissão oficial, entre 9 e 23 de fevereiro de 1997, e sua rerun, entre 13 de abril e 3 de maio de 1997 — faz com que não se tenha nenhuma forma de acessar o jogo. Caso esteja curioso sobre este título em específico, recomendo esta página.
De forma bem rasa, e resumida, esta é a história da franquia Famicom Detective Club, pelo menos até a Nintendo Direct japonesa de 4 de Setembro de 2019, quando a Nintendo anunciou remakes dos dois primeiros jogos da série. Inicialmente os dois jogos só haviam tido seu lançamento confirmado no Japão, porém, na Nintendo Direct de 17 de fevereiro de 2021 foi confirmado que, pela primeira vez em quase 33 anos de história, Famicom Detective Club estaria tendo seus primeiros títulos lançados no Ocidente.
Os Remakes
E é daqui que retomamos o primeiro parágrafo, agora que você já possui um conhecimento sobre o que a série Famicom Detective Club é, e o que estes lançamentos representam, acho que podemos começar a falar sobre o assunto principal desta review, e sim, tudo isso foi apenas uma introdução.
Famicom Detective Club: The Missing Heir
O remake do primeiro jogo da série, Famicom Detective Club: The Missing Heir, começa de maneira bem genérica: você é encontrado desacordado logo abaixo de um penhasco, mas sem suas memórias, aparentemente devido ao impacto da queda. Logo se percebe que isso é apenas um artifício para apresentar o mundo ao jogador de maneira gradual, mas sem muita demora, já que logo é introduzida a história do jogo. A narrativa retrata um jovem assistente de detetive e sua parceira de investigação Ayumi Tachibana, que trabalha com ele em uma agência de detetives que está investigando a misteriosa morte de Kiku Ayashiro, a matriarca da Família Ayashiro. Os Ayashiro possuem raízes no Japão feudal, um dos motivos de sua tradição e poder, passados de geração em geração, até o momento presente do jogo, onde existem diversos conflitos internos, incluindo a empresa da família, que, claro, ficarão ainda mais evidentes e acentuados graças a morte de Kiku.
A história é contada através de 11 dias, durante os quais jogador deverá solucionar mistério ao redor da morte, e é aqui que a gameplay do jogo finalmente se faz presente de verdade. Vamos literalmente conversar com todos que possam ter alguma relação com sua investigação, e para isso, usamos um simples, mas efetivo menu, listando uma série de perguntas que você pode fazer aos personagens. Mesmo que isso pareça simples e fácil, além de ter que fazer todas as perguntas possíveis para progredir no jogo, às vezes teremos que repetir a mesma pergunta mais de uma vez, o que muitas vezes não pode parecer nada óbvio.
Ainda existe a possibilidade de nenhuma das respostas ser útil, pelo menos por enquanto, e apelamos para outra mecânica do jogo: investigar os cenários. Aliás, eles são extremamente bem feitos e detalhados, assim como a arte dos personagens, que ao invés de serem apenas artes bidimensionais estáticas, possuem algumas animações feitas através da técnica conhecida como Live2D — que é supreendentemente difícil de ser descrita. As qualidades gráfica e técnica das animações em Famicom Detective Club: The Missing Heir são bem acima da média, especialmente se comparada a outras visual novels japonesas, como mostra o trailer.
O jogo ainda possui algumas funcionalidades que apesar de não serem essenciais, são bem vindas, por exemplo: Sempre ao entrar no jogo se encontrará disponível a opção de receber um resumo do plot do jogo até o presente momento na história, além disso você possui um bloco de notas, onde você poderá revisar informações que descobriu ao decorrer de sua investigação, bem como fazemos na vida real para nos situarmos ou revisarmos algo. Ainda podemos alternar livremente entre a trilha sonora do remake e a original do Famicom.
Em suma, este é Famicom Detective Club: The Missing Heir, uma experiência interessante, porém fica claro que ela é um produto de seu tempo. É honestamente interessante como nos primeiros dias de investigação o jogo consegue te deixar com dúvidas quanto ao rumo da história, mas, ironicamente, isso é ótimo, já que estamos tratando de um jogo de investigação. Pessoalmente, eu creio que o maior problema seja o fato de você muitas vezes não saber o que fazer.
Às vezes não basta você selecionar a mesma opção de diálogo 2 vezes para progredir, você deve selecionar todas as opções de diálogos possíveis e só aí selecionar uma mesma opção novamente, o que prejudica a maneira que você aproveita o jogo, sendo mais frustrante do que instigante, mesmo que o desenvolvimento dos personagens seja muito bem feito. Na parte visual, o jogo é surpreendentemente expressivo, os personagens tem reações únicas à suas ações e perguntas, “amaciando” um pouco a experiência, quase nos fazendo esquecer a fala de fluidez lógica do progresso.
Famicom Detective Club: The Girl Who Stands Behind
Apesar de ter sido lançado após o primeiro jogo da franquia, Famicom Detective Club: The Girl Who Stands Behind é uma prequel, isto é, conta uma história que antecede os fatos do primeiro título. Ele se passa cerca de 3 anos antes do antecessor, e começa com o protagonista do primeiro jogo fugindo de 2 policias, até encontrar um homem, que assume a responsabilidade pelo garoto. Logo se descobre que seu nome é Shunsuke Utsugi, um detetive particular, que diz se enxergar no jovem garoto de 15 anos à procura de seus pais, desaparecidos ainda na sua infância.
Após descobrir que o garoto não possui um lugar para morar, Utsugi o convida para ser seu assistente em seu escritório. Algum tempo depois, os dois recebem uma ligação para investigarem uma cena de crime, na qual a vítima é uma jovem chamada Yoko Kojima, estudante do colégio Ushimitsu High School. Ajudando na investigação, teremos dois amigos e colegas de Yoko: um garoto chamado Hitomi Kawaii e uma garota chamada Ayumi Tachibana.
Ao decorrer dos 11 capítulos, você irá reutilizar todas mecânicas utilizadas no jogo anterior, ou seja, você ainda irá interrogar qualquer um que possa ter alguma ligação com sua investigação, e com isso, problemas do jogo anterior também estão presentes neste, ou seja, prepare-se para ficar perdido em sua investigação.
Algo que você provavelmente irá perceber logo no início é um destaque levemente maior nas sessões point-and-click, o que é uma mudança bem vinda. Honestamente, as sessões onde você deve investigar uma possível evidência para sua investigação foram umas das que mais chamaram atenção no jogo todo. Pode parecer sacal, mas olhar durante minutos para uma cena e tentar descobrir o que pode estar errado se encaixa perfeitamente com o tema de investigação do jogo.
Assim como o primeiro jogo, Famicom: Detective Club The Girl Who Stands Behind possui uma direção artística excepcional, acentuada mais ainda pelos temas macabros que esse jogo trata em certos momentos. Como The Missing Heir, The Girl Who Stands Behind possuiu alguns extras que não são essenciais para o jogo, você ainda possui um bloco de notas e pode alternar entre as várias versões da trilha sonora do jogo, mas neste caso você não só pode alternar entre a trilha sonora do Famicom a trilha sonora do remake, você também tem a opção de utilizar a trilha sonora de outro remake do jogo, o de Super Famicom, lançado em 1998.
Em suma, este é Famicom Detective Club: The Girl Who Stands Behind, uma sequência que, apesar de ter sido lançada apenas um ano após de seu antecessor, consegue ser supreendentemente única. A narrativa consegue trazer uma espécie de suspense macabro que diverge bastante dos temas do primeiro jogo, assim apesar de reciclar mecânicas, consegue ter personalidade o suficiente para se destacar. A ideia de trazer uma prequel é excelente, pois o autor histórias se permitiu desenvolver mais ainda os personagens, engrandecendo a obra como um todo, mesmo que você não tenha jogado The Missing Heir.
Conclusão
A duologia Famicom Detective Club parece ter sido feita como um só jogo. As histórias, apesar de divergentes em tema, conseguem tanto se complementar perfeitamente, funcionando como histórias independentes, o que é o melhor dos dois mundos. Apesar de serem dois jogos totalmente refeitos, não se enganem, Famicom Detective Club é um produto de seu tempo e não será uma experiência tão amigável quanto suas típicas visual novels, porém, a parte que não envelheceu um dia sequer é sua história, que apesar de não construir personagens com múltiplas camadas de complexidade, consegue torná-los profundos o suficiente para serem interessantes.
A arte dos jogos é honestamente excepcional, em um nível que é difícil achar qualquer ponto passível de crítica. Os personagens são extremamente expressivos — o que é muito difícil de se realizar em artes bidimensionais — os cenários são ricos em detalhes, e você pode inspecionar individualmente cada objeto no cenário, pois ele terá uma descrição mesmo sem nenhuma função na história. Ah, toda linha de diálogo do jogo possui voice acting em japonês, ou seja, completamente dublado! Mesmo que não fale japonês, isso mostra carinho, capricho e cuidado, elevando a experiência entrege.
O lançamento ocidental da franquia Famicom Detective Club após 33 anos de seu primeiro título possui grande importância. Demonstra que cada vez mais a Nintendo está percebendo como lançamentos globais das franquias, antes exclusivas das terras nipônicas, são importantes. Por exemplo, é extremamente improvável que uma série como Xenoblade Chronicles fosse lançada fora do Japão se não fosse o barulho de seus fãs, que em pouco mais de uma década a franquia se tornou umMillion Seller da Nintendo. O mesmo aconteceu com Fire Emblem, que após o lançamento de Fire Emblem: Awakening no Nintedo 3DS, teve todos seus títulos subsequentes lançados no ocidente. Retomando, o lançamento da duologia Famicom Detective Club não é um caso isolado, E com a expansão da indústria de videogames, cada vez mais gêneros, que antes eram nichados, demostram um potencial gigantesco, e não vem passando despercebido.
Prós
- Uma boa história com o desenvolvimento de personagens feito de maneira correta;
- Ótima direção artística;
- Um resgate necessário a estes clássicos da Nintendo, que por décadas nunca viram a luz do dia no Ocidente.
Contras:
- Mecânicas claramente datadas, que poderiam ter alternativas opcionais aos jogadores que preferem.
Nota Final:
8,5