
Desenvolvedora: Grasshopper Manufacture
Publicadora: NIS America Inc.
Data de lançamento: 06 de Julho, 2021
Preço: R$ 203,95
Formato: Digital
Análise feita no Nintendo Switch com chave fornecida gentilmente pela NIS America Inc.
Hoje em dia — apesar do fato de ser dolorosamente óbvio — a discussão do jogo como arte está acalorada como nunca. Se consolidando no início da década com o advento dos indies e dos jogos cinematográficos, hoje em dia é impossível respirar por 10 segundos sem que alguém se emocione com o último exclusivo da Sony, proclamando que o resultado de um investimento de bilhões e marketing doentio é uma obra-prima e merece ser colocado ao lado de filmes como Cidadão Kane. Sim, eu sou uma pessoa ácida e horrível, e meu ceticismo me consome cada dia mais.
Entretanto, além de tais pessoas, temos as pessoas que acham que são inteligentes, que estão muito acima disso. Defendendo fielmente tudo que diretores famosos de videogame como Hideo Kojima e Yoko Taro lançam, buscam estabelecer qualquer coisa que seja impulsionado em massa pelo marketing ocidental como frutos da busca por dinheiro. Enquanto trazem argumentos válidos, esquecem justamente do fato que talvez tenha alguma intenção honesta e artística dentro de um produto altamente comercial — ou que talvez tenha uma intenção altamente comercial também dentro dessa suposta imagem honesta que os seus diretores favoritos trazem. Sim, eu sou bem pretensioso, e estou tentando ver por diversas lentes o mesmo assunto para fingir que sei do que estou falando.
O que acredito em questão à essa discussão é que os dois são arte. Tanto o jogo que está tentando ser subversivo que tenta levar a indústria dos games pare frente, quanto um jogo convencional e aclamado. Entretanto, há sim jogos que podem incluir um valor artístico maior: algo mais expressivo, focado em temas, com intenção e autoralidade. Isso, assim como também podem ter decisões de game design mais motivados pela questão da indústria cultural: algo mais rentável, econômico e pouco disruptivo. Apesar da relatividade implícita no processo de definir o valor artístico de algo, é certo na minha perspectiva que tal definição é mais próxima de um espectro do que de um valor binário. Definindo sem termos idiotas usados por gente que quer parecer inteligente, no mundo dos games, tem um pouco de arte em todo produto, e tem um pouco de produto em toda arte. Com certeza alguém colocou a própria paixão e mensagem durante o desenvolvimento de God of War, e alguma decisão de design em NieR Replicant foi motivada por dinheiro. E é melhor eu parar essa linha de raciocínio aqui antes que eu comece a citar Adorno de novo.
Por que essa singela análise sobre um joguinho de detetive começa de modo tão estranho? Há dois motivos. O primeiro é que sou conhecido pela minha escrita pouco ortodoxa, um feliz escritor convidado. Sou Frost51, responsável pelo canal do YouTube Lixeira do Frost, membro do podcast Memória RAMdom e um dos escritores do site Gamelodge. Também estou fazendo meu próprio jogo, The Coneflower Dilemma, e ficaria feliz se desse uma olhada nos meus projetos. Com isso, eu tenho que honrar o meu nome e falar de algo não muito relacionado por dois parágrafos. Ou será que realmente são tópicos avulsos? Aí que chegamos no segundo motivo.

A análise de hoje se refere à uma das experiências mais artísticas que já vi na indústria, e achei importante que você tivesse ideia da minha visão sobre arte antes de eu soltar essa frase. Enquanto as pessoas aqui no ocidente se impressionavam com o discurso que Hideo Kojima desenvolveu, sobre o modo que a internet podia criar fake news e alienar a população em Metal Gear Solid 2 – Sons of the Patriots… O capítulo Kamuidrome de The Silver Case expõe o quanto isso pode ir longe, dissertando muito mais sobre como o processo de ressignificação e o modo que a informação viaja rápido na rede pode alienar, confundir e até espalhar problemas. Os eventos que acontecem nesse segmento lembram até o que aconteceu na vida real com o massacre de Columbine (uma chacina cometida por dois jovens que entraram armados em uma escola). Quando a tragédia foi exposta na internet, virou um meme ofensivo entre jovens e pior — outras pessoas começaram a ver os assassinos como heróis, replicando tal crime ao ponto de virar um problema nos Estados Unidos. E isso tudo sem exposições longas ou explicações teóricas, marcas registradas do Hideo Kojima. Pura narrativa visual. Você vê esses eventos e ninguém precisa te explicar, te dando uma sensação muito mais concreta e palpável com o tema.
Considerando que as pessoas que não são público alvo dessa análise já devem ter saído (sei que sou chato), é hora de introduzir o básico. The Silver Case 2425 é uma compilação lançada para Nintendo Switch que inclui dois jogos que a crítica especializada ocidental odiou, mas são altamente respeitados no Japão e tem muitos fãs aqui no ocidente também. Franquias de aventura como Zero Escape, AI The Sominum Files e até o ocidental VA-11 Hall-A citam ter sido inspirados no que os jogos dessa coletânea fazem de melhor.
Vale lembrar que aparentemente, esses jogos terão alguma ligação com No More Heroes 3, então os fãs da saga do otaku assassino também poderão se beneficiar de uma experimentada básica nesses clássicos. E quais são os jogos inclusos? São a duologia The Silver Case e The 25th Ward. Dois dos jogos mais interessantes que já tive o prazer de jogar, e espero que essa análise dupla te mostre tudo que tem de interessante nesse pacote completo.
Contexto

Entender esse clássico é entender a mente de Goichi Suda, também conhecido como Suda51. Enquanto a grande maioria atribui ao seu nome trabalhos como Shadows of the Damned e Killer is Dead, a realidade é bem distante das que vemos nesses jogos. Para você ter noção: ele não dirige sozinho desde o lançamento do primeiro No More Heroes e os títulos supracitados não foram dirigidos pelo homem. Não é um cara que foca em humor, estilo e trashzeira em primeiro lugar, e estética tá longe de ser o único ponto forte do que um jogo dele pode fazer. Até Lolipop Chainsaw, que ele ajudou a dirigir, parece ser mais um produto da mente de James Gunn, o outro diretor do projeto. Sim, esse James Gunn, do filme Guardiões da Galáxia.
Dado isso, quero levantar uma pergunta: Quem é Suda51?

Suda51 é o diretor de Moonlight Syndrome, The Silver Case, Flower Sun and Rain, The 25th Ward, Killer7, No More Heroes e Travis Strikes Again. Quem conhece tais títulos vê que sim: existem jogos com uma alta dose de humor ali, mas não é um ponto central da carreira dele. Interessantemente, o jogo que mais trouxe seu estilo à tona e até hoje é altamente referenciado em seus outros clássicos é o primeiro jogo que iremos conversar hoje: The Silver Case. E, por mais que pareça um assunto simples para uma análise, The Silver Case é resultado de um contexto cultural, socioeconômico e criativo bastante específico e a remoção de tal tornaria essa análise muito superficial.
O contexto da criação do jogo é extremamente importante para discutirmos a fundo os conceitos que o jogo traz. Na época jovem, o diretor era um funcionário da Human Entertainment, uma das empresas mais importantes da história dos games. Desde os jogos de ritmo até survival horror, a marca dessa gigante está muito fixada e títulos como Clock Tower ou Mizzurna Falls são lembrados pela sua importância histórica. Nesse contexto de extrema liberdade criativa, Goichi Suda foi contratado para ser roteirista em Super Fire Pro Wrestling Special, especialmente pelo seu conhecimento denso do mundo da luta-livre, tema principal do jogo. O problema é: a história acabou saindo muito diferente do que alguém esperaria para algo do tipo, envolvendo temas sérios como suicídio e depressão. Isso levou à diversas ameaças de morte serem enviadas à empresa, e Suda foi transferido para ajudar a dirigir Twilight Syndrome, um jogo de horror com criaturas sobrenaturais, junto com outro diretor.

Esse jogo, no entanto, foi um sucesso explosivo e o diretor ficou em destaque. Até hoje Twilight Syndrome é um jogo celebrado, com a simples mas interessante premissa de adolescentes caçando lendas urbanas. Tem até referência ao jogo em Danganronpa 2 e é uma franquia importante para o gênero horror. Suda, assim, foi escalado para dirigir a continuação desse hit instantâneo.
Considerando o seu medo de criaturas sobrenaturais e interesse em assuntos mais psicológicos, decidiu planejar uma sequência onde o medo não estava explícito em criaturas transcendentais ou psicopatas tenebrosos, mas sim implícito na psique humana. Assim, o pai do horror psicológico nos games, Moonlight Syndrome, nasceu. Enquanto hoje esse jogo é celebrado e é a inspiração principal para franquias como Siren, na época foi muito mal recebido, especialmente por questões culturais muito específicas. Existe um tabu gigante no Japão de basear trabalhos criativos em crimes recentes, especialmente por questões de sensibilidade. No período do desenvolvimento, uma chacina similar ao que acontece no jogo foi aos jornais e, mesmo com as modificações feitas na narrativa para evitar problemas, o título ficou mal visto. Além de claro: o jogo tocar em vários tabus, assim como o jogo de luta livre supracitado fez.
Isso fez que o Moonlight Syndrome virasse um spin-off e eles continuassem com Twilight Syndrome Saikai, descartando toda a narrativa pesada e os eventos trágicos que o jogo estabeleceu. E com certeza isso foi outro evento que iria moldar os próximos trabalhos de sua carreira.

Por problemas financeiros, a empresa que ele trabalhava estava perto da falência e Suda decidiu arriscar algo difícil. Abriu uma empresa pequena de jogos, algo muito impressionante e audacioso para os padrões da época, transformando ele em um ícone da indústria indie japonesa até hoje. Claro, talvez pareça algo bobo hoje em dia, mas a cultura de trabalho do Japão naquela época era bem diferente. O normal era entrar em empresas grandes e torcer para crescer lá dentro, focando em um futuro estável. Abrir uma empresa de jogos sem muitos recursos e ter que fazer um jogo com menos investimento que a maioria era muito arriscado, e mesmo assim ele fez, inspirando muitos outros desenvolvedores do país à fazerem o mesmo posteriormente. Assim nasceu a Grasshopper Manufacture.
Considerando isso, Suda teria que fazer um jogo que vendesse e que não gastasse muitos recursos, vendo que The Silver Case tinha basicamente os mesmos recursos e equipe que você veria em um grupo que faz jogos indies hoje em dia. Você imaginaria que fazer algo seguro, simples mas com apelo à massa, seria o que ajudaria o diretor à crescer sua empresa no momento, certo? Mas é de Suda51 que estamos falando, e seu título como “diretor punk rock” não seria merecido se essa fosse a sua escolha.
Decidindo apostar no nicho dos jogadores mais velhos, Suda pegou tudo que fez de controverso e juntou em um jogo só. Criando uma metrópole fictícia em um Japão corrupto e perigoso, se baseou em crimes reais e temas pesados para criar o jogo que definiria sua carreira e está incluso nessa coletânea, o remake do clássico de aventura The Silver Case. Um jogo que tem em primeiro plano muita desigualdade e pobreza, lançado em plenos tempos da Década Perdida japonesa, um período de crise que assombrou os anos 90 do país.

Um Complexo e Recompensador Mundo

Lançado originalmente para Playstation em 1999, é um jogo de aventura onde a maior parte do tempo você passa apenas lendo e testemunhando eventos, focando extremamente em sua densa narrativa. A premissa básica é que existe um serial killer lendário chamado Kamui Uehara, e ele aparentemente escapou da cadeia. Então, a Unidade de Crimes Hediondos terá que investigar casos relacionados na região especial fictícia de Tokyo, o Distrito 24. O jogador encarnará um desses policiais, tentando decifrar diversos mistérios que permeiam a sociedade, os personagens e especialmente o Caso Prata (ou Silver Case), a investigação que prendeu Kamui no passado.
Enquanto a sinopse em si é simples, a execução já desvia do esperado em poucos minutos. The Silver Case não é sobre um assassino interessante e um crime elaborado, e sim sobre o impacto que tais crimes tem dentro desse contexto e como essa mundo responde à isso. É um mistério que sai totalmente do tradicional e aqueles que esperam algo similar à Umineko No Naku Koro Ni ou Ace Attorney estão fadados à se decepcionarem. Kamui não é analisado como um assassino convencional, e sim como uma entidade cultural.
No começo, somos introduzidos ao fato que a alta desigualdade tornou o crime rotina e que, para lidar com isso, os policiais tem a permissão de executar bandidos como quiser, agindo como delegados e juízes à vontade. Questionamentos como o valor da vida e o direito de matar são levantados e assim, essa história mostra qual a verdadeira intenção dela: The Silver Case é, acima de tudo, sobre temas. Cada capítulo quer comunicar algo e tudo se conecta de modo lógico e temático, exigindo que o jogador faça o esforço para decifrar o sutil mas denso texto apresentado.

Do capítulo inicial até o final, vamos explorando diversos aspectos de como o crime surge e muda a sociedade, se tornando informação e infectando o mundo como um vírus. A diferença monetária entre classes sociais, corrupção, corporativismo e a influência da internet são algumas das coisas que o diretor quis comunicar, e esse bombardeamento constante de ideias não se importa com o fato que o jogador ainda está tentando entender o básico. Esse jogo é para ser decifrado, e não simplesmente digerido nas pressas, sendo muito mais similar ao que veria nos filmes mais sérios do Sion Sono ou em um thriller de David Fincher. Felizmente, mesmo se você prefere histórias menos vagas, The Silver Case não te deixará na mão, pois contamos com duas campanhas com estilos diferentes de escrita. Um cinematográfico e pouco expositivo, e outro mais próximo de um livro, mais descritivo.
Enquanto a campanha principal, Transmitter (escrita pelo próprio Suda51), tem esse exato estilo dinâmico, visual, sucinto e que demanda atenção milimétrica… A outra campanha, Placebo, é muito mais tradicional e legível. Encarnando um jornalista chamado Tokio Morishima, vivemos o seu dia à dia enquanto ele acompanha os mesmos casos, nos dando outra perspectiva dos acontecimentos e respondendo algumas perguntas enquanto temos acesso ao diário dele. A ordem recomendada é jogar os capítulos alternadamente, sempre vendo as duas perspectivas. Transmitter será mais confuso e te deixará perguntas, e Placebo irá responder algumas delas. Apesar disso, seria injusto tratar Placebo como apenas um complemento, vendo que até o estilo de arte e a estrutura de jogo muda, sendo uma história individual e interessante por si só, escrita por Masahi Ooka e apenas supervisionada por Suda. Enquanto o protagonista mudo de Transmitter é feito para o jogador se identificar e se colocar dentro das situações, Tokio é uma pessoa profunda, com vários pensamentos e opiniões, com uma visão mais subjetiva e emocional do mundo. Isso é até destacado pela mudança de estilo de arte que acontece entre as duas campanhas, onde as ilustrações cinzas e cruas icônicas de Takashi Miyamoto são substituídas por um estilo mais expressivo e menos proporcional.


Essa estrutura é satisfatória e te ajudará na compreensão de tudo que está acontecendo, mas não fique seguro. Eventualmente Placebo irá abandonar sua função de explicar Transmitter e trará dilemas próprios. O jogo está te treinando para entender a sua escrita vaga na campanha principal, e recomendo fazer o esforço, até porque o título originalmente acabava com um mistério em aberto propositalmente, que pode ser facilmente resolvido pelo jogador que prestou atenção no que estava acontecendo. Afirmo, em alto e bom tom: jogue as duas campanhas paralelamente. Sua compreensão da narrativa será afetada se não fazer isso e não entenderá o porquê esse jogo é tão bem falado.
No remake, a versão que temos acesso no ocidente, outros capítulos extra foram adicionados e a resposta do final enigmático está inclusa, mas até assim é difícil de entender suas implicações sem atenção. Reafirmo, mais uma vez, jogue The Silver Case com atenção.
Conhecimento de crimes famosos no Japão e do contexto social da época será outro fator que recompensará o jogador. Tem um crime que parece ser uma cópia legitima do infame Desastre de Minamata e momentos de interação nociva entre usuários de fóruns da internet, no melhor estilo de Noriko’s Dinner Table e Serial Experiments Lain. É uma história profunda e crítica, e tudo isso sem a necessidade de citações filosóficas, paralelos à clássicos, exposição temática longa e outros recursos infames pelo ar pretensioso. Aqui é onde a maior diferença visível entre a abordagem de Hideo Kojima e de Suda51 aparece. E isso dificultou para os tradutores, considerando que tem um erro pequeno ou outro na tradução dessa complexa história do japonês para o inglês, apesar de não interferir na compreensão.
Estética, Mecânica e Comunicação
Até nos piores jogos, a empresa Grasshopper Manufacture é conhecida pela direção de arte fenomenal, se tornando um dos maiores destaques em todos os seus jogos. Enquanto em Let It Die — um jogo que Suda não teve muito envolvimento — isso é apenas um adicional que torna a experiência agradável, os jogos do diretor tendem a usar do visual como uma ferramenta de comunicação direta, assim como bons filmes.
Cinema é uma influência direta do jogo, como dito em entrevistas que citam até Jean-Luc Godard. Em um capítulo que explora uma visão mais romântica de um crime, vivenciamos essa viagem psicológica com proporções grotescas aplicadas nos personagens vilanescos e um visual preto e branco, fazendo alusões à mangás. O capítulo sobre a internet faz o fundo animado do jogo parecer algo que você veria em Matrix. No capítulo final, o fundo é um relógio, criando ansiedade no jogador. Sempre preste atenção até no background da tela, pois elas refletem o estado da história bem.
Casando isso com uma trilha sonora muito marcante do aclamado Masafumi Takada e um design de som confortável, com som de máquinas de escrever digitando o texto do jogo, é impossível não ser fisgado para a atmosfera que a experiência constrói. Trazendo aquela sensação noturna, cansada, insone. Aquele dinamismo exausto de quando você dirige em uma metrópole, em uma madrugada de um dia pesado. Aquela sensação de três da manhã, acessando chats da internet e navegando em locais perigosos. The Silver Case é um reflexo do final dos anos 90, e a estética faz total jus ao que esperar. Destaque especialmente ao já citado capítulo Kamuidrome, onde o jogador acessa um site suspeito com web design noventista, cheio daquele charme nostálgico.
O sistema visual que o jogo usa é o tal do Film Window. A narrativa é apresentada por descrições, imagens, vídeos e animações, todas apresentadas em janelinhas diferentes. É uma das ideias estéticas mais legais dos videogames e só sinto que as vezes pode ser chato o fato que o nome do personagem não permanece muito tempo na tela, dificultando a compreensão dessa já bastante complexa história. Também espere por FMVs, animações 3D e muito mais experimentação visual, e não apenas pelo estilo: trazendo significado e agregando na sua interpretação.

É fácil de dizer que provavelmente é uma das melhores direções estéticas da história, especialmente pelas músicas. Prepare-se para preencher seu aparelho celular de .mp3, pois cada leitmotiv ficará na sua memória e com certeza irá querer revisitar a sensação de várias faixas que o jogo te apresenta. Essa mistura interessante de sintetizadores e músicas que você esperaria de um film noir é muito marcante.
Esse é um dos jogos mais cool que você pode jogar. Com jingles de final de capítulo, estilo CSI, o estilo é uma das coisas que mais carrega a estética. Apesar do peso realista e de um pouco de horror, a sensação de estar vendo um grupo de indivíduos interessantes e profissionais em uma realidade de crimes e corrupção é agradável, te imergindo cada vez mais no papel do investigador.
Apesar das mecânicas serem inicialmente confusas (especialmente pelo esquema de controle meio alienígena), The Silver Case traz interações simples e esperadas para um jogo do estilo. O que destaca elas entre outros jogos do tipo, entretanto, é o foco em imersão. Você é o detetive dentro da tela, e as vezes algumas tarefas exaustivas terão que ser realizadas irrelevante do quanto pareça chato. Felizmente, o jogo só usa isso para construir atmosfera e narrativa, apenas realmente se tornando um grande incômodo em alguns picos. Os quebra-cabeças também são bem pautados narrativamente, sendo agentes de imersão. Infelizmente entretanto, o design pobre e o fato que o jogo originalmente usava de interação de AR (jogos de realidade aumentada) — unindo a leitura e uso de seu guia aos quebra-cabeças — torna o uso dos mesmos tão chato que tem um botão dentro do jogo em formato de lupa, trazendo a função de pular tais segmentos. Recomendo muito o uso, pois sem o manual em mãos… é bem tedioso.
Uma pena, pois a experiência exclusiva ao Japão do The Silver Case original tinha isso como um ponto positivo, te trazendo aquela sensação de realmente estar resolvendo uma conspiração estatal. E a pior coisa é que o início imediato do jogo te força à interagir com esses quebra-cabeças como se fosse algo central à experiência, sendo que a maioria do jogo é apenas leitura. Não se engane com o começo fraco, o jogo melhora e muito.
Apelo ao Nicho

Apesar do meu perceptível amor pela obra, The Silver Case é algo que apenas recomendo se eu conhecer bem o gosto da pessoa. O começo já denuncia isso, com um longo texto descrevendo a situação socioeconômica, um conflito policial lento e cenas que referenciam um jogo nunca lançado no ocidente do Suda É um jogo lento, que exige paciência e grande parte da experiência é similar à ler registros de crimes vindos de pessoas diferentes, associando um ao outro para tentar entender o que realmente aconteceu.
É um jogo que a maior partes dos bons momentos acontecem em telas pretas, lendo e-mails ou diálogos densos. Não vai te engajar com ação, humor exagerado (pelo menos não a todo momento) e afins. Enquanto amei a dinâmica entre os policiais Sumio Kodai e Tetsugoro Kusabi, eu ainda posso dizer que a história se preocupa mais com conceitos do que com personagens. Não irá suprir a expectativas dos entusiastas por coisas como Higurashi When They Cry, por mais que vá atrair os cinéfilos mais pretensiosos.
Falando em Higurashi, não espere convenções de visual novel aqui. Log, fast-forward, dublagem, CG Gallery… Nada disso. The Silver Case é mais próximo à um Hotel Dusk da vida e espera que você só avance falas quando estiver pronto. Mesmo sendo passível à críticas, creio que é um bom lembrete que a experiência é feita mais para ser um filme interativo do que um livro, deixando-o mais único.
E mesmo assim, acho que alguns dos chatos quebra-cabeças ou momentos que você é forçado à andar e interagir acabam ofuscando as qualidades, tornando uma experiência inerentemente cansativa um pouco mais pesada do que deveria ser. É um jogo que é melhor sendo explorado em sessões curtas do que longas, mas que irá agradar qualquer um que queira uma experiência diferente do convencional.
Os pontos positivos do jogo exigem que a pessoa tenha muito interesse no jogo como arte e não tenha comprado esperando diversão. O foco de The Silver Case não é entretenimento, e sim uma análise social e psicológica de um meio horrível e corrupto. Há até algumas reviravoltas que tornam o jogo muito menos pé no chão, mas que tentam agregar uma camada de significado metalinguístico. Talvez, essa seja a primeira vez que Suda51 tentou conversar sobre o jogador e o papel dele no jogo, associando isso à mensagens sociais e especialmente ao tema kill the past, repetido à exaustão em suas obras. E qual a cerne do que é dito nisso?

Você não é definido pelo seu passado. Você não é simplesmente um ator que reage aos traumas e aos acontecimentos que permearam sua vida. Você pode reconstruir e conquistar o que quiser, desde que aceite quem você é, confronte a sua escuridão interna e vá atrás do caminho da melhora. Apesar de ser mais elaborado em jogos como Killer7, estabelecendo que fugir do seu passado não funciona ou Flower Sun and Rain, que condena escapismo como mecanismo de defesa, tudo aqui já é comunicado suficientemente bem e interligado com várias outras ideias.
Sendo um produto de seu tempo também, espere para um tom muito similar ao que vê no cinema da época. Excesso de palavrões era uma crítica comum na época que o jogo veio no ocidente, mas personagens mais velhos também expõem misoginia e homofobia. Apesar do contexto e da comunicação ser bem válida para construir esses personagens como pessoas mais arcaicas, pode ser desconfortável para alguns e o aviso é sempre válido. Pelo menos, com certeza também irá agradar qualquer otaku chato, que quer aquela sensação de nostalgia dos anos 90 no Japão. E também agradará os não otakus: se quiser alguma espécie de narrativa interativa japonesa, sem os estereótipos comuns em visual novels, essa também é uma ótima escolha.
Infelizmente, eu entenderia se alguém se decepcionasse com a solução bizarra que essa conspiração tem (é bem estranho e parece algo que saiu de um filme trash), mas a minha impressão é que essa é uma obra-prima da narrativa não convencional e uma prova que jogos podem fazer mais do que entreter. Enquanto eu totalmente abomino o que o estágio final fez como quebra-cabeça, eu não sei se conseguiria tirar todas as partes frustrantes, pois há uma camada semântica ludonarrativa — mostrando o maior forte que o diretor tem, a criação de história por meio de mecânicas, estágios e interação. Esse jogo só funcionaria como jogo, e que bom que ele é assim.
Enquanto é difícil recomendar para quem está começando com videogames ou para o jogador tradicional, The Silver Case deveria ser um clássico obrigatório para qualquer um que planeja fazer jogos. Não por ser um exemplo perfeito do que jogos devem ser, mas sim por justamente ir pela contramão e mostrar o potencial do território não explorado, mostrando o que jogos podem ser. É um jogo retrô, remasterizado no capricho, mas que ainda mostra à muitos indies que inovação não é a mesma coisa que abusar do tom roxo na paleta ou fazer um metroidvania acessível. Demonstra que o design punk e o jogo arte na verdade vem de fazer o que quiser, para expressar o que precisar. Queime a curva de aprendizado, as malditas lentes de Schell e tudo que aprendemos em Mario, para nascer das cinzas o significado.
(OBS: Esse não é o fim da análise! Calma que iremos ao segundo e último jogo, e também comentaremos dos ports!)
Prós:
- Mistério pouco convencional interessante
- Narrativa excêntrica
- Atmosfera marcante
- Estética perfeita
- Inovador até para os dias de hoje
- Uma das experiências mais únicas nos jogos
Contras:
- Mecânicas cansativas
- Erros pequenos na tradução
Nota:
9
Limpeza Ética e Conformidade
The Silver Case era um uma história de detetive hard-boiled, onde violência e corrupção criam um mundo onde todos os âmbitos sociais geram uma sensação cética e cheia de desesperança. Inesperado é o fato que, para dar sequência à esse universo noir, Suda51 faria um jogo que retrata um bairro novo em Tokyo, com um problema totalmente diferente.
Se passando em um bairro fictício novo, o Distrito 25, não espere mais pelo horror gerado pela realidade suburbana violenta, e sim um horror gerado pela falta de empatia do sistema e do estado perante o indivíduo. Se baseando no contexto das privatizações do serviço dos correios no Japão, The 25th Ward conta com uma narrativa que alerta os problemas que podem vir da falta de humanidade sistêmica, da crueza das relações de poder e dos conflitos de interesse em organizações importantes. E não pense que é um discurso idealista, é tão pragmático e assustador que parece cético. Lançado originalmente para um celular japonês específico que foi descontinuado, esse remake teve o difícil trabalho de restaurar e trazer conteúdo novo à esse jogo perdido.
Sobre o mundo desse jogo: o estado e as corporações tem controle das informações. Os cidadãos criminosos muitas vezes não são apenas mortos, mas tem seu “RG cancelado”, sumindo completamente da sociedade, sem nem registro de dados. Para evitar que o crime se espalhe e consertar os erros que causaram os levantes criminosos do primeiro jogo, o crime “não existe”. Uma realidade falsamente perfeita é construída e para isso, o governo pede ajuda para corporações, que assumem serviços públicos também.
Enquanto superficialmente é uma sociedade utópica, qualquer um que trabalha em funções de segurança sabe o quão complicado é. Várias organizações policiais e militares tem guerras internas, motivadas por interesses corporativistas e leis que priorizam o sistema acima do indivíduo. Com esse mundo assustador, a ideia é provar que o crime também não vem exatamente da propagação de informação ou apenas de diferenças socioeconômicas, mas também em um conflito mais introspectivo, entre a identidade do indivíduo contra a força que o leva agir no conformismo. Nesse caso, o extremo controle e a lei.

Enquanto a fachada de perfeição ética existe, as pessoas se escondem e agem do mesmo jeito. Uma das partes mais icônicas do jogo envolve uma pessoa aparentemente perfeita, com histórico exemplar, interagindo em sexo virtual por meio de chat rooms, com fetiches (vistos nesse contexto como) estranhos e totalmente escondidos da fachada ideal de cidadão do bem. Desconstruindo a superfície limpa desse mundo sujo, a ficção política de Suda é uma das mais interessantes já vistas na história dos jogos. Fake news, o impacto da sociedade no indivíduo e os efeitos da privatização extrema são alguns dos tópicos tocados. E olha que a sinopse ainda nem falou dos personagens.
No lugar de duas, temos três campanhas, com um evento central que estabelece uma jornada similar à que vivemos em The Silver Case: investigando um misterioso caso de assassinato em um apartamento fechado, que parece envolver um criminoso até mais assustador que Kamui, um resultado de uma sociedade ainda mais opressora. A variedade de perspectivas novamente é uma das ferramentas, trazendo três campanhas diferentes para nos dar vários ângulos do mesmo mundo.
Narrativa aqui é um assunto complexo, pois há qualidades tão extremas quanto as ressalvas, e há uma mudança de estilo que pode agradar ou desagradar, dependendo muito de quais características te atraíram para The Silver Case. Para bem ou para mal: é um jogo muito individual, desviando muito do caminho que uma sequência normalmente faria.
Quebrando a Expectativa

Se você espera uma sequência direta, com a volta de personagens icônicos garantida: prepare-se para se decepcionar. The 25th Ward, apesar de exigir conhecimento do jogo original, é uma história bem independente que tenta deixar sua marca do seu próprio jeito. Não se debruça nos acertos que o primeiro jogo tem e de novo, é uma busca para criar algo, acima de tudo, único.
E ela consegue? Definitivamente. Mas de um jeito totalmente inesperado, apostando em aprofundar um lado surrealista, simbólico e social. Sacrifica caracterização, personagens e carisma noir por uma história mais conceitual ainda, afastando o tradicionalismo que ainda existia na franquia e abraçando o experimental. Suda descreveu em entrevistas que a sensação desejada é que é o jogo se sentisse como “besta se disfarçando de The Silver Case“, e a meta foi alcançada. É fiel e não é ao mesmo tempo. Parece uma distorção assustadora do clássico, se apoderando dos seus elementos de modo assustador.
A epítome disso é a campanha principal, Correctness. Abstrata, caótica, metalinguística e surreal. Suda, no lugar de usar o meta como agente de humor, usa o mesmo como agente de horror. Não exatamente do mesmo jeito que vemos em jogos como Totono ou Doki Doki Literature Club, mas de modo mais sutil. Para melhor ou para pior, é a narrativa mais abstrata que o diretor já escreveu e ficar confuso ou perdido faz parte da experiência. Contando a jornada de Shiroyabu Mokutaro na investigação do já descrito crime, traz personagens caricatos, mas que acabam representando muito do impacto dessa cruel distopia no psicológico da população.
Se narrativa abstrata não é seu forte, temos a volta de Placebo. Assumindo de novo o controle de Tokio Morishima, temos uma mudança de dinâmica significativa. No lugar da narrativa descritiva densa, a maioria do tempo é gasto em chat rooms da internet e em viagens digitais-surreais, subvertendo o que esperamos de uma campanha dele considerando The Silver Case. Ajudar ele à recuperar suas memórias perdidas e interagir com esquisitos na internet são parte do prato principal dessa campanha, escrita pela mesma pessoa que fez a campanha original, Masahi Ooka.
Ainda abstrato demais para você? Então não tema: temos a narrativa mais convencional dos jogos antigos do Suda também. A aposta do novato aos roteiros da empresa, Masahiro Yuki, é Matchmaker. Acompanhando a divertida dinâmica entre Shinkai Tsuki e Yotaro Osato, dois agentes da Delegacia de Ajustes Regionais, enquanto fazem serviços secretos para o governo e limpam a sujeira por trás das maiores conspirações da cidade. Essa acabou sendo a minha favorita, mesmo que normalmente eu prefira narrativas mais vagas e interpretativas.

Bem, parece perfeito, certo? Uma narrativa abstrata, e duas mais claras que se interligam para ajudar à explicar. Seria perfeito sim, se as narrativas não fossem muito mais paralelas do que as duas de The Silver Case eram.
Correctness é um caos criativo, e isso não seria problema se as informações nas outras campanhas complementassem bem o contexto. Infelizmente, os três escritores escolheram narrativas muito paralelas, que pouco adicionam umas às outras em comparação ao jeito que o jogo original faria. Isso acabou fazendo ela ser a que menos gostei, justamente por as vezes se tão confusa e aberta que afetava o meu aproveitamento. Enquanto isso, Placebo está mais ambígua e estranha, apesar de ser bem decifrável. Isso tornava ela cansativa as vezes, apesar de momentos incríveis onde o protagonista Tokio interagia com a internet. Por fim, Matchmaker acabou virando minha zona de descanso, um lugar que eu não precisava ficar analisando cada aspecto pequeno para entender a história e simples compreensão temática já bastava, com algumas bem vindas conexões ao jogo original.
Não me entenda errado, eu amo interpretar jogos complicados. Killer7 é meu jogo favorito e o Suda51 é meu diretor favorito. O problema é muito mais relacionado ao fato que creio que a mensagem que o diretor quis passar ficou quase indecifrável, em um jogo que num geral já exige uma paciência bem grande de seu fã. Claro, não duvido que será adequado ao gosto de alguns, mas a impressão final de Correctness que ficou para mim com certeza foi meio mista, apesar do clima de tensão e da revelação final compensar. Enquanto isso, as outras duas campanhas foram espetaculares e me impressionaram bastante, especialmente Matchmaker. Mesmo assim, recomendo jogar em paralelo capítulo por capítulo, pois há algumas informações que se complementam entre as campanhas.
Aliás, vale elogiar que é um jogo que consegue respeitosamente falar de disforia de gênero, apesar de ter sido feito originalmente em 2005. Se não fosse pelo queercoding presente no final da campanha Matchmaker, seria uma das histórias mais socialmente e politicamente responsáveis que já vi na história dos games. Os problemas principais, entretanto, vem do Suda por algum motivo decidir dedicar horas e horas de diálogo em caracterização ou momentos plenamente estranhos, mas pouco significativos. Referências à outras obras são soltadas toda hora e as vezes tenho a sensação que The 25th Ward está só perdendo o meu tempo, sem muito ponto.
Simbólico e Assustador

Eu honestamente achava impossível melhorar a estética apresentada por The Silver Case, mas The 25th Ward conseguiu. Com uma trilha moderna cheia de influências, desde música 8-bit até lo-fi, o visual limpo e minimalista te vende esse mundo distópico e o uso de cores complementa o desconforto estranho que está implícito em todos os locais. Melancólico, contemporâneo e tenso. Todos os elogios que disse à The Silver Case se aplicam aqui, com destaque especial à músicas como Sandalwood e Metropolitan Edge.
Esse é um daqueles jogos que eu abro de novo justamente pela atmosfera, e provavelmente tem a melhor direção de arte que já vi na vida. Se inspirando nas esculturas de Anton Gormley, brinca com visuais mais abstratos e básicos, dando uma sensação de um realismo sendo ofuscado por uma abstração, um duelo entre o real e o ideal, que encaixa muito bem com o que essa história está comunicando.

Enquanto felizmente os controles são mais intuitivos, o game design aqui fica até mais inacessível. O jogo se comporta de modo mais lento num geral e até digitar a resposta de um puzzle pode se tornar uma tarefa cansativa. Aliás, a grande parte deles são de código, até mais que The Silver Case, de modo bem exaustivo.
Entendo a natureza que o jogo foi originalmente lançado (por capítulos), onde cada quebra-cabeça era um enigma que os jogadores discutiam e quebravam a cabeça juntos para resolver. Entretanto, isso pode ser cansativo demais para quem está jogando hoje em dia em consoles e PC, e infelizmente o que te salvará aqui é o uso de guias. Recomendo, sem dó nem piedade, exceto se for masoquista e quiser ter a sensação peculiar do esforço hercúleo, refletindo os esforços dos protagonistas em desvendar segredos corporativos e estatais. Entretanto, o jogo é até mais metalinguístico, e parte do cansaço que o jogo traz é proposital e importante para sua mensagem.
Brincando com referências visuais, incluindo RPGs clássicos e dungeon crawlers, Suda51 vai desafiar sua interpretação em um dos jogos de aventura mais estranhos já feitos. Infelizmente, os FMVs e as cenas pré-renderizadas de The Silver Case não voltam, provavelmente pelo primeiro lançamento de The 25th Ward ter sido em um tipo específico de celular e contar com um visual bem mais uniforme.
Um Saldo Diferente e Positivo

Apesar das ressalvas, aprecio a lentidão mecânica e grande parte do que reclamei nesse jogo. Tudo se encaixa harmonicamente bem e se transforma em uma experiência meditativa, transposta por uma narrativa complexa. A experiência estética por si só já valeria o preço, mas tudo que esse jogo oferece torna ele um clássico oculto, que acaba sendo ainda mais inacessível que The Silver Case por conta de exigir que você tenha jogado seu antecessor primeiro.
É desconfortante, por usar a fachada cool do primeiro jogo e criar um horror sutil e pé no chão. Esqueça a sensação maneira de se sentir um investigador em uma cidade semi-cyberpunk. Aqui, todos apenas são uma peça para jogos políticos maiores, e a maior guerra acontece dentro da cabeça do indivíduo que quer desviar do seu papel de peça e tomar uma escolha autônoma nesse mundo difícil. Enquanto esses conceitos eram relativamente importantes antes, aqui eles tomam protagonismo completo.
Ainda não temos logs, vozes ou afins, mas isso — assim como antes — não é problema. A Grasshopper mostra a sua competência estética em todo segundo desse jogo experimental, que usa de tédio e repetição como uma das suas maiores ferramentas ludonarrativas. Assim como seu antecessor, The 25th Ward é um jogo extremamente único, um ode ao avant-garde. Inclusive, superou muito o The Silver Case por focar no aspecto arte, esquecendo ainda mais das convenções e apresentando uma face totalmente nova à esse hostil universo.
Eu não me diverti aqui e quis quebrar meu Switch durante alguns puzzles, mas inegavelmente é uma experiência reflexiva com várias mensagens, muitas que são complementadas pela minha frustração. Eu sinto que parte da frustração foi necessária para o jogo comunicar o que ele queria. Esse jogo prova que o título “jogo arte” não deve ser atribuído à simplesmente qualquer jogo com estética bonita que aparecer na sua frente, e sim para aqueles que desafiam os limites do meio, as expectativas comerciais e o jogador. Assim como The 25th Ward faz.
Mudando o tema de “kill the past” para “kill the life“, vemos um ódio generalizado ao conformismo, à seguir as normas. Assim como seus personagens, esse jogo representa isso, um total desdém pelas regras e padrões, que tenta criar sua identidade no espaço dado pela liberdade criativa acima de tudo. Focando no seu tema à risca, é uma obra-prima pouco acessível, mas muito recompensadora.
(Sei que o texto já está imenso, mas ainda tem mais um pouco! Não saia ainda, desça a página!)
Prós:
- Subversivo e artístico
- Melhor direção de arte que já vi
- Músicas espetaculares
- Ficção política de alto nível
- À frente de seu tempo
Contras:
- O cansaço transcende o valor temático as vezes
- A abstração narrativa ocasionalmente atrapalha a comunicação efetiva dos temas
Nota:
9,5
E o pacote todo?

Apesar do quanto são experiências polarizantes, são viagens únicas nas crenças e análises que seu autor idealizou em jogos de aventura extremamente experimentais. A influência de The Silver Case é gigante, mas felizmente essa coletânea não sobrevive apenas de importância histórica, mas sim também do valor de ser jogado hoje em dia. Muitas das críticas sociais ainda se aplicam e tais clássicos brincam com o game design sem medo de julgamento.
Apresentando um dos melhores usos de ludonarrativa do mercado e uma audácia imensa em esperar análise e inteligência por parte do jogador, eu acho difícil recomendar essa saga para todo mundo por conta do quanto ela pode extrair reações totalmente diferentes das pessoas. Mas é nisso que ela brilha: em causar algo no jogador, de modo marcante e impactante. São duas obras de arte, com objetivos diferentes, mas muito o que se discutir e conversar.
O que infelizmente segura um pouco é o port. Algumas informações são difíceis de serem lidas na resolução do Switch e por algum motivo tem algumas quedas de framerate durante o jogo. As quedas são constantes e parecem relacionadas ao sistema de texto, não à efeitos 3D ou outros artifícios. É estranho um jogo aparentemente tão leve ter problemas assim, talvez denunciando que esse port foi feito às pressas, considerando o quão fácil é portar algo do Unity ao Switch. Foi o problema que impediu dessa coletânea tirar nota 10, apesar de todas as suas qualidades. Atualizarei aqui caso os desenvolvedores consertem esse problema. Não afeta muito o jogo por ser bem narrativo e focado em leitura, mas perde um pouco da sensação dinâmica que você tem jogando em um PS4 ou em um PC.
Ainda há outros problemas menores. Enquanto o jogo no modo portátil é tranquilo de ler e parece bem projetado para tal, os menus num geral não parecem ser pensados para uma tela menor. Cenas pré-renderizadas muitas vezes ficam estranhas também, mas nenhum desses irá afetar sua experiência tanto. Se não fosse pela queda de quadros, seria uma experiência 100% sólida.
Outra coisa a se lembrar é que tem um jogo que foi lançado entre esses dois, Flower Sun and Rain, que complementa as narrativas. Mesmo disponível no Nintendo DS, não está incluso no pacote e aparentemente tem um remake em desenvolvimento. Apesar de não obrigatório, o jogo se liga muito com um capítulo específico de The 25th Ward e é uma sequência direta de The Silver Case. É meu favorito da franquia e espero que remasterizem logo.
E claro: o preço de 203,95 pode ser salgado, mas considerando as mais de 70 horas que os dois títulos juntos proporcionam, queda de preço e promoções podem torna-lo acessível.
Acima de serem jogos ótimos, eles são uma boa e honesta apresentação ao diretor Suda51. Ao contrário dos preconceitos que podem aparecer ao começar por No More Heroes sem pretensão de ler o subtexto, esse jogo te induz à focar nos temas e te apresenta as qualidades que normalmente o iconoclasta traz aos seus jogos. Você irá entender o motivo que “PUNK’S NOT DEAD” está escrito no logo da Grasshopper e evitar de ter uma percepção rasa. Verá que Suda é muito mais do que um humorista barato com tesão em metalinguagem e jogos trash (como divulgado em massa na geração do Xbox 360), e sim um homem legitimamente inteligente que entende o papel do jogo como arte, definitivamente muito a frente de seu tempo na época desses dois jogos.
Caso não tenha medo de jogar algo esquisito e sair da curva, e caso não tenha medo de entrar em um buraco que você pode achar um dos seus jogos favoritos — ou um dos jogos mais estranhos que você já jogou — The Silver Case 2425 é para você, entregando tudo o que promete e muito mais.
Prós:
- Dois clássicos remasterizados
- Experimentais e únicos
- Duas das melhores experiências estéticas dos videogames
- Introdução espetacular ao trabalho de Suda51
- Poucos problemas nas experiências
- Narrativas interconectadas complexas
Contras:
- Nicho do nicho, não apelam para a grande maioria
- Performance decepcionante (foi o único motivo que não tirou 10)
Nota
9.5