Desenvolvedora: Millennium Kitchen Co., Ltd.
Publicadora: Neos Corporation
Data de lançamento: 11 de Agosto, 2022
Preço:R$ 219,99
Formato: Digital
Análise feita no Nintendo Switch com chave fornecida gentilmente pela Neos Corporation.
Revisão: Marcos Vinícius
Nas últimas semanas recheadas de lançamentos marcantes, do glorioso Xenoblade Chronicles 3 ao intenso e cômico Cult of the Lamb, peguei-me questionando por diversas vezes: o que faz um jogo se tornar memorável? De acordo, existem jogos o suficiente para satisfazer o gosto de cada pessoa disposta o suficiente a experimentá-lo, mas são poucos os icônicos, os que enraízam na mente e, enfim, tornam-se eternos pelo sentimento que expressam. Geralmente, ouvimos relatos desse tipo quando nos referimos a revoluções na indústria, a primeira vez em que algo glorioso é feito, na gênese da nostalgia, aqui se referindo ao “anseio do retorno à casa”, a fim de reviver uma experiência como se fosse a primeira vez, apesar de todos reconhecermos a impossibilidade da concretização do desejo.
Shin-chan dialoga intensamente com a impossibilidade da nostalgia, antes mesmo do jogo que aqui discutiremos. No nono longa da franquia, Crayon Shin-chan: Fierceness That Invites Storm! The Adult Empire Strikes Back, vemos o protagonista de apenas cinco anos, Shinnosuke Nohara, unir-se com seus amigos para combater o sentimento de nostalgia que cega os adultos, tornando-os apáticos por rejeitarem o estado do mundo que passaram a viver, em uma regressão confortável, uma vã busca por um aconchego que já não mais existe. Ao entender a nostalgia enquanto uma relação de memória e escape, chegamos ao cerne do que podemos discutir com a obra em pauta, desvelando o título até alcançarmos a justifica que o faz tão memorável.
Me and the Professor on Summer Vacation
Crayon Shin-chan é uma franquia que ultrapassa a si mesmo, no sentido mais brando de sua representação. A animação de comédia japonesa, que narra fatos diversos da vida da família composta pelo protagonista, sua irmã mais nova, seu pai e sua mãe, cortou os anos com suas diversas interações, hoje tendo um traço reconhecível e famoso mundo afora. Mas não precisamos nos preocupar com isso aqui.
Mesmo com personagens reconhecíveis e acenos aos fãs, a obra é convidativa e aberta, não demandando em nada do público em relação a conhecimentos prévios da série. O jogo se aproxima muito mais, na verdade, de outras criações da developer Millennium Kitchen, com sua série de jogos Boku no Natsuyasumi, ao redor da temática das férias de verão no Japão. Desde o primeiro Playstation até sua última interação no Nintendo 3DS, a série resgata um sentimento de calma e despreocupação infantil, um dos principais valores do novo lançamento.
Foquemo-nos em Shin-chan: Me and the Professor on Summer Vacation -The Endless Seven-Day Journey-, contudo. Apresentado em uma direção de arte soberba, a obra nos é colocada a partir de uma viagem em família feita em uma pequena cidade onde reside uma antiga amiga da mãe de Shinnosuke, administradora de um restaurante com falta de funcionários e que, portanto, solicita por ajuda. Jogando pela perspectiva do pequeno, encontramos em um pequeno momento, ainda antes de chegarmos na cidade onde o jogo se passa, um misterioso professor nos oferece uma câmera fotográfica capaz de transformar em desenhos todas as fotos tiradas. Posteriormente, o professor retornará com propósito renovado, mas guardemos seu retorno para um parágrafo posterior.
Uma vez na cidade, começamos nossa aventura: viver uma semana das férias de agosto no aconchegante recinto, pescando em riachos convidativos, caçando insetos dos mais variados tipos e interagindo com o elenco variado de personagens aqui presente. Desde o dono de um jornal local que verifica nossos relatos feitos a partir da câmera tecnológica até o chef-ninja de um restaurante de lâmen, conhecemos a cada personagem a partir das diferentes interações que se dão variando os dias, os horários e os locais onde aparecem.
Tendo sete dias à nosso dispor para explorar da forma como melhor entendermos, divididos na extensa parte que envolve a manhã e tarde, e um reduzido turno noturno, onde temos à disposição um terreno limitado para exploração, são várias as formas como podemos aproveitar o tempo, rendendo inúmeras comparações a jogos com a mesma sinergia (Animal Crossing, Stardew Valey…). Os objetivos que precisamos cumprir, no entanto, destacam-no dos demais, já que não coletamos recursos para construções ou buscamos construir sistemas de relacionamento, por exemplo. Ao invés disso, a cada dia vemos somos apresentados a uma ou mais demandas distintas, compondo as missões principais do jogo que fazem sua história avançar de forma fragmentada, ainda compondo um quadro coeso e com uma progressão clara e linear.
Tomo um exemplo. Logo no início do jogo, recebemos a missão de participar da edição do jornal, fazendo-nos reportar de forma recorrente para entregar nossas matérias. O objetivo, contudo, estende-se por vários dias, enquanto outras missões surgem, abrem novas áreas do mapa ou novos personagens e são cumpríveis no mesmo dia, fazendo-nos avançar devagar, no sentido geral, mas sempre, analisando as pequenas aventuras que nos disponibilizamos a seguir. Realizando entregas de objetos, acessando diálogos únicos e explorando o mapa avançamos pouco a pouco, transformando uma pequena cidade em um palco de inúmeras desventuras episódicas que compõe um quadro único. Sem dúvidas, é um prato muito bem servido.
The Endless Seven-Day Journey
A temática das férias do verão, transformando um microcosmo em um palco de tantas aventuras por uma perspectiva diminuta de uma criança, é a forma como nos tornamos cativos da obra. A ambientação sonora, com os riachos correndo ao nosso redor e os insetos cantando à espreita, em um cenário completamente encantador, transforma o jogo em uma forma de nostalgia. Não me refiro aqui, entretanto, ao sentido habitual da sentença, em contextos de referências culturais de um tempo passado. Digo a respeito, na verdade, de uma busca do sentir-se pequeno, despreocupado, engrandecido pela ingenuidade. Guiados por uma narração reconfortante e com direções de um jogo inclusivo para todas as idades, encontramos um sentimento perdido de infância, desbravando o mundo da mesma forma como o descobrimos pela primeira vez nos primeiros anos de nossa vida.
O grande gancho da obra se dá a partir do cientista já apresentado a partir de sua câmera praticamente mágica, e na revelação de que ele foi capaz de criar uma máquina do tempo. Almejando a dominação mundial por base do medo, decide trazer dinossauros de volta à vida, criando um impacto inicialmente avassalador, mas seus esforços se tornam quase em vão quando a população geral percebe que as feras são pacíficas, abraçando-as e incluindo-as no convívio social sem preocupações. Frustrado, encontra em Shinnosuke uma forma de extravasar sua indignação, prendendo-o em um looping temporal.
Dessa forma, ficamos cativos dos sete dias de férias, que agora se repetem de novo e de novo e de novo. A comparação óbvia que nos veem à mente é, sem dúvidas, o saudoso Makora’s Mask, jogo que se passa em um looping interminável de três dias, onde todos os personagens repetem suas funções ad nauseam, e depende do jogador descobrir as diferentes formas de como podemos interagir com os personagens em diferentes períodos de tempo para desbloquear novas missões e recompensas.
A princípio, pensava que tal fórmula estendida em sete dias poderia não render os mesmos bons frutos, já que a repetição pode exaurir rapidamente o jogador. Para meu alívio, descobri que as pretensões aqui são bem diferentes do que foi feito no Nintendo 64, já que os ciclos não são fixos e imutáveis. O início do looping, por mais que resgate, sim, os acontecimentos da semana, não desconsidera objetivos anteriormente cumpridos e áreas já descobertas, servindo na verdade como uma extensão das férias, com novas interações e novas missões a cada dia do mesmo modo como a obra se apresentou até então.
A fim de evitar surpresas e spoilers, não me aprofundarei tanto mais na história. Claro, não devemos esperar uma narrativa tão densa, mas sem dúvidas há o suficiente aqui para se envolver e se apaixonar pelo cenário e pelos personagens, especialmente visto que o jogo dispõe de localização em português! Um comentário rápido que gostaria de fazer antes de prosseguir com as conclusões, contudo, deve-se a um mini game desbloqueável com a progressão do jogo.
Após certa missão, desbloqueamos um clube secreto onde podemos brincar com nossos colegas em um jogo ao redor de cartas dos dinossauros. Não há nada de absolutamente inovador aqui, especialmente porque as batalhas se dão ao redor da tríplice pedra-papel-tesoura, com eventuais brechas em que podemos desvendar o movimento do oponente. Mas, francamente, o jogo pode até ser ignorado, apesar de um ou outro objetivo se dar ao redor dele. Quando desbloqueamos o torneio, por exemplo, a dificuldade antes não vista pode causar resignação, mas dependendo do seu progresso é possível desbloquear uma carta com a missão de jornalista que torna a vitória praticamente certa.
Conclusão
Retornando à questão colocada no início do texto, ainda não sou capaz, e talvez nunca serei, de apontar o que torna um jogo em algo memorável. O que posso tentar rabiscar, por outro lado, é o que torna Shin-chan: Me and the Professor on Summer Vacation -The Endless Seven-Day Journey- um título que ficará marcado no coração. Sua apresentação, tanto no aspecto visual quando sonoro, é simplesmente sublime, com quadros definidos para cada tela, fornecendo ao jogador uma perspectiva do mundo muito própria e determinada previamente pelos desenvolvedores. Os personagens são cativantes e cômicos, fazendo-nos interessar em suas demandas, e fazendo-nos alegrar a cada objetivo cumprido.
É uma pena ver seu lançamento ocidental ofuscado por outros títulos que tenham dominado as pautas em redes sociais. O jogo realmente merecia mais reconhecimento e espero que o presente texto ao menos convença um leitor ou leitura a se permitir vivenciar o encanto presente na obra.
Prós:
- Apresentação Sublime;
- Elenco reduzido porém cativante e cômico;
- Sistema de progressão fragmentário torna o título em algo único;
- Suporte ao português.
Contras:
- O looping pode se tornar cansativo para alguns jogadores.
Nota Final:
9