
Desenvolvedora: Dinosaur Bytes
Publicadora: Numskull Games
Data de lançamento: 24 de fevereiro, 2023
Preço: R$ 57,99
Formato: Digital
Análise feita no Nintendo Switch com cópia fornecida gentilmente pela Numskull Games.
Revisão: Marcos Vinícius
Há alguns anos atrás, era complicado para a grande maioria das pessoas entender as ferramentas utilizadas para a produção de jogos eletrônicos. Primeiro porque não se tinha acesso fácil a essas ferramentas e segundo porque ainda não éramos tão familiarizados com criação de conteúdo digital. Por conta disso, a experiência de se jogar videogame nessa época parecia mágica.
Atualmente a história é muito diferente, pois ferramentas como Unity ou Unreal Engine podem chegar facilmente as mãos de alguém que tenha um bom computador em casa. Daí vemos o nascimento da indústria Indie, com experiências sendo desenvolvidas por estúdios pequenos (as vezes até por uma pessoa, como é o caso aqui).
Nesse contexto, é inevitável o surgimento de projetos que busquem recriar a experiência mágica que esses desenvolvedores tiveram na infância, mirando em um público que teve a mesma experiência que eles no passado.
Clive ‘N’ Wrench não é o primeiro e com certeza não será o último jogo que tenta recriar o que a Rare fez nos anos 90 com Banjoo-Kazooie. Olhando para o que já temos, provavelmente Yooka-Laylee e A Hat in Time poderiam ser outros exemplos com objetivos semelhantes.
Apesar de todas essas comparações, acredito que por uma série de razões Clive ‘N’ Wrench consegue se destacar entre os seus semelhantes. Nem sempre por razões positivas, o jogo é recheado de tropeços, mas o teor genuíno que permeia todo o projeto acaba resultando em um pacote final que não me arrependo de ter jogado.

Começando mal
Confesso para você que antes de abrir o jogo, eu já tinha uma certa expectativa com o jogo. Jogos de plataforma 3D são definitivamente a minha praia e, desde que vi o primeiro trailer de Clive ‘N’ Wrench, fiquei bastante empolgado com o projeto.
Nesse contexto, o sentimento que tive nas primeiras horas de jogo foi decepção. Parecia que, apesar de trailers promissores, o produto final era desprovido de qualquer polimento. As cutscenes iniciais sofrem para tentar contar uma história relativamente simples e com um nível de amadorismo nas animações que é raro ver em qualquer jogo hoje em dia. Ao pegar o controle para aprender os movimentos, fui jogado em um cenário que replica a estética da área de “teste” para desenvolvedores em jogos 3D, o que em outro contexto poderia ser uma criativa quebra de quarta parede, mas aqui reforçou todo o amadorismo que parecia rodear a minha experiência.

Sobre os controles, inicialmente senti dificuldade em me adaptar, pois senti falta de mais precisão sobre o pulo de Clive e o controle em baixo da água é péssimo, o que já me fez temer a inevitável fase com foco aquático que deveria aparecer eventualmente. Mas calma, falarei mais sobre isso a frente.
A verdade é que Clive ‘N’ Wrench é um verdadeiro game de Nintendo 64. Não estou brincando quando digo que esse jogo poderia tranquilamente ser lançado em 1998 preservando grande parte da experiência. A questão aqui vai um pouco além de uma mera homenagem ou um conjunto de referências, porque tenho impressão que o desenvolvedor Rob Wass estudou minuciosamente cada detalhe do ursão da Rare e replicou isso no seu jogo.
E é aqui que a coisa começa a ficar mais interessante.
O show de um homem só

Amigos, não posso analisar este game sem analisar o contexto. Depois da primeira impressão negativa, finalmente adentrei o jogo de verdade, acessando cada um dos 11 mundos pelo criativo HUB World que o jogo apresenta. A cada fase, a cada chefe, ficava mais claro o quanto de dedicação e paixão foi colocado no game.
Como um projeto desenvolvido por praticamente uma pessoa que se dedicou a isso por anos, é impossível esconder as diversas “pessoalidades” que aqui existem. A cada novo cenário absurdo, a cada nova referência absolutamente tosca e a cada erro claro de level design, eu me divertia pensando o quanto o jogo conseguia capturar uma essência divertida e inocente que é rara de se ver nos jogos atuais produzidos por grupos imensos de pessoas.

E que fique claro: não estou falando apenas dos defeitos! Clive ‘N’ Wrench surpreende ao recriar os movimentos de Banjo-Kazooie de forma muito mais efetiva do que o primeiro Yooka-Laylee (que por sinal, foi desenvolvido por ex-funcionários da Rare).
Lembra que critiquei os movimentos no início? Bem, na hora de jogar as fases de fato, tudo fez sentido. Aqui, o peso dos pulos e dos movimentos parece muito mais apurado e deixa a exploração bastante prazerosa, dando a sensação de que, combinando meus movimentos, eu poderia praticamente alcançar qualquer canto do cenário e, isso para mim, é o essencial para qualquer collectathon que se preze.
É fato que os controles não são perfeitos para fases de plataforma que exigem mais precisão, porém felizmente o jogo raramente exige isso do jogador e o foco fica mesmo na exploração. O que é positivo, levando em conta que a variedade dos cenários é um dos pontos mais altos do game.
Mais conteúdo do que o esperado

Eu desconfio que boa parte dos 12 anos de desenvolvimento do jogo foram dedicados a criação dos diferentes mundos que você pode acessar. Como a temática é viagem no tempo, cada fase se passa em uma “era” diferente. As temáticas são mais ou menos o que você já pode imaginar: Egito antigo, Grécia antiga, era do gelo, faroeste e por ai vai. Tudo é obviamente fortemente inspirado pela estética dos desenhos animados da década de 90, exatamente como a Rare também gostava de se inspirar.
O surpreendente aqui é a quantidade de conteúdo, pois são 11 mundos diferentes e, no fim de cada um, você enfrenta um chefão. O jogo consegue até que desviar bem de muitas armadilhas que fariam o level design ser maçante, coletei tudo que tinha para coletar em quase todas as fases ainda na primeira tentativa, o que definitivamente é um bom sinal por que não costumo a fazer isso.

Os chefes são definitivamente os pontos fracos, pelo menos quando se fala em gameplay. A partir do momento em que o jogo exige mais precisão para derrotar os inimigos, o rumo das coisas se perde um pouco e a experiência se torna mais frustrante. Felizmente várias batalhas contra chefes são substituídas por fases comuns, em que você só precisa chegar até o final para derrotar o vilão.
Curiosamente há um chefe no jogo em que você simplesmente não o enfrenta. Ao entrar na batalha, uma cutscene acontece e ele é derrotado na própria cena mesmo! Particularmente, encarei isso como mais um toque extremamente pessoal de um desenvolvedor que provavelmente já estava exausto e não queria elaborar mais uma batalha de chefe, e ver isso no produto final para mim é hilário.
Crise estética
Clive ‘N’ Wrench roda relativamente bem no Nintendo Switch, não tive problemas com quedas de FPS e a resolução é aceitável. A a problemática é que o jogo realmente não tem direção artística.

A mistura de cores e a iluminação estourada em alguns pontos faz com que alguns trechos do jogo sejam particularmente feios, mas nada que comprometa completamente a experiência, afinal, de fato era assim com muitos jogos de Nintendo 64 e ai, é hilário observar como Clive ‘N’ Wrench me confunde entre o que de fato é decisão proposital para homenagear os clássicos e o que é apenas inexperiência de um desenvolvedor novato.
A trilha sonora também não se destaca, normalmente se sustentando em clichês musicais para representar o estilo de cada época.
Afinal, é bom ou não é?

Bom… é divertido, essa resposta serve para você?
A verdade é que eu jamais seria tão tolerante com Clive ‘N’ Wrench se não soubesse todo o contexto que o rodeia. Mas jogando com tudo que expus aqui em mente, consegui ter extrema simpatia com o criador e consequentemente com a sua obra. Mais do que isso, acredito que há muito talento por trás desse jogo, porque apesar da falta de polimento, ele consegue acertar de verdade em diversos aspectos. O que me deixa esperançoso para que o game seja um relativo sucesso e tenhamos mais jogos de Rob Wass no futuro.
Por conta disso, entenda que o número que você vai ver abaixo provavelmente carece de rigor técnico, no entanto, reflete a verdadeira experiência que tive com esse game.
Prós
- Recria com competência o espírito da Rare dos anos 90;
- A movimentação do personagem favorece torna a exploração divertida;
- Grande variedade de cenários surpreende para um projeto indie;
- Os toques pessoais dão um tom único ao game.
Contras:
- Repete muitos dos problemas de jogos 3D da década de 90;
- Falta polimento em diversas áreas, incluindo gameplay e visual;
- Músicas repetitivas e genéricas raramente se destacam;
- Chefes que exigem precisão geram mais dor de cabeça do que diversão;
- Tradução PT-BR não é das melhores.
Nota Final:
8