
Revisão: Davi Sousa
“— Mas não existe Pokémon mau…”
Ash Ketchum
Nosso herói de infância falou essa frase no episódio de estreia do Mewtwo no anime, há mais de dez anos atrás, saudoso tempo em que a equipe Rocket decolava na velocidade da luz e magicamente retornava ao episódio seguinte com mais um plano infalível “só para pegar o Pikachu”. De acordo com o tema central do fenômeno, muita coisa evoluiu desde 1996 até a presente data, pois “tudo muda, muda/ tudo muda em segundos”.
Isso começou a partir de um sonho de criança de Satoshi Tajiri, andando por florestas e vales na cidade de Setagaya (Japão) a procurar insetos por diversão e conhecimento. Comparados à biologia dessas criaturas, os casulos dessa época eclodiram-se nas mais de 1.000 espécies diferentes e curiosas que conhecemos hoje: ポケットモンスター, はじめて, ポケモン (pokketto monsutā, hajimete, pokémon) (monstros de bolso, ou somente, pokémon).
Sou um fã do desenho japonês desde cedo, não dormia sem assistir aos episódios das 22:00 PM no Cartoon Network, e com isso fui me interessando pela cultura do país e pelos valores que a filosofia oriental pode transmitir. A jornada de mais de duas décadas iniciou-se com os jogos, mas eu só fui partir para minhas aventuras particulares depois de alguns anos, e então a minha paixão com Pokémon começou pelo anime, que, como eu disse logo atrás, não perdia um “quem é esse pokémon?” sequer.
Talvez ter tido um olhar mais de expectador para com o fenômeno e ir me aproximando dos jogos só na adolescência foi como uma evolução por troca ou amizade para mim. A pokessência do desenho japonês, a sabedoria em afirmar que os pokémon nunca te abandonam, foi reconfortante e motivadora para me fazer atravessar os cruéis anos do crescimento e enfrentar como um mestre pokémon os desafios e adversidades do dia a dia.
Já cresci; já passei da fase de não querer mais gostar do desenho por achá-lo simples e infantil demais (e verdadeiramente é. Esse é seu público-alvo, não?), mas foi muito bom me amadurecer e continuar nessa grande emoção ao lado dessas criaturinhas que estão aqui e ali, em todo lugar. Quem acompanhava as primeiras gerações de Pokémon já é adulto agora, e até entendo o desejo da saga em passar por novas reformulações para se manter firme através do tempo, mas receio que o meu coração de fã não encontre mais o significado que os “monstros de bolso” traziam.
Evolução & aprendizagem

Apesar de suas batalhas, esse universo sempre foi mais sobre valores como amizade e respeito a si e ao próximo, seja ele igual ou diferente, humano ou pokémon. Foi uma pena eu não ter ouvido a música “Brother my Brother” na refilmagem de seu primeiro longa, acho que sua tradução nos faz refletir sobre o que estamos fazendo com os outros e também com nossas vidas. A produção deve ter cortado por conta de tempo ou direito autoral, mas, como essas, sinto que outras mudanças vão tirando pouco a pouco a essência e o brilho da aventura original.
Contudo, como diz a música à qual também fiz referência acima, “tudo muda em segundos, mas a gente tem de tomar cuidado com essas ditas evoluções”, falando, através dos professores Sada e Turo, que não se pode ter muita intervenção humana naquilo que é natural.
Muito além do fosso de Paldea, a história começa com as megaevoluções, de Kalos. Teve sim até um contexto que embasou tal mecânica, mas a partir da sexta geração, Pokémon desenhou um novo rumo para a franquia, e todas as continuações ganharam e deverão receber alternativos caminhos para evoluir, a fim de superar a aventura passada. Porém, todas essas mecânicas até agora são voltadas ao competitivo, e o antigo “Brother my Brother” perde-se novamente pelo tempo.
Por mais que elas sejam explicadas, não seria algo natural toda região do mundo pokémon ter a sua respectiva marca evolutiva, e também, é um fato a se pensar, onde os monstrinhos existirem sempre terá de ter uma melhor e mais “destrutiva” forma de se evoluir, estagnando e deixando previsível a criação com o passar das décadas.
O meu olhar de fã sente falta de mecânicas voltadas à história do jogo/anime, onde, por exemplo, observaremos a biologia e os comportamentos das várias espécies, sem a finalidade de encontrar um NPC ou um colega online somente para batalhar. E o mundo aberto iniciado agora pode fomentar muito essas discussões, explorando novas rotas como foi com o caminho até os titãs ou a trilha para enfrentar o Team Star.
Você, eu e Pokémon!

Os jogos em geral, não somente Pokémon, têm potencial para mudar o mundo e as pessoas de acordo com a lore e as referências que nos são apresentadas. Isso motiva modernos estudos em gamificação e, devido também ao avanço da tecnologia, os games estão perdendo esse estigma de “coisa inútil e só para entretenimento”, ao passo em que ganham cada vez mais espaço e público. Lembro-me de um jogo da amada franquia, ainda nos antigos tempos do Game Boy, onde um NPC falava que pokémon não são armas de guerra.
O ensinamento, interpretado por um fã que começou sua pokestória através do anime, pulsou em meu coração de um jeito mais amigo e respeitoso a essas criaturas que não existem de fato. Os antagonistas da série sempre estão em busca dos pokémon mais fortes (claro! É o trabalho deles), mas nós, que somos meros espectadores, não deveríamos seguir esse exemplo e almejar montar um time full power só para ganhar do coleguinha, pois, na verdade, aí pokemon já não mais existem, e o que passa a existir é somente a competitividade e alguns espasmos de raiva ocasionais.
Disse “os antagonistas” como um termo genérico para agora enfatizar a Equipe Rocket, que, de uma forma bem atrapalhada, mas necessária para a história, não arreda o pé de seu sonho de pegar o Pikachu. Esses inusitados vilões refletem a disciplina e a persistência japonesa em conquistar seus objetivos. Claro, eles são “do mal” e por isso mesmo nunca deveriam conseguir, mas manter esses personagens que conhecemos desde a infância faz parte do alívio cômico de Pokémon, e os episódios em que os vi como protagonistas foram muito engraçados e interessantes por sinal. E, assim como a Equipe Rocket, temos outros personagens que são como impressões digitais da franquia e não devem ser esquecidos, talvez abrindo um espaço na saga core ou agora com alguns concomitantes spin-offs ou fanfics.
O fenômeno renova-se através do tempo também com seus outros títulos, alguns muito conhecidos, como Pokémon Unite, e outros menos divulgados mas cheios de encanto e charme, como os curtas de Pokétoon, que podem ser admirados no YouTube. Podemos também tirar belas fotos e colocar em nossos álbuns em Pokémon Snap, ou ainda, como particularmente gosto de fazer, imaginar esses monstros de bolso a correr livremente pelo mundo real, facilitando nossa customização com recursos da tecnologia existente. Aplicativos para celulares, eventos e produtos que derivam da marca,… é tudo Pokémon!
Vida imitando arte, ou arte imitando vida?

Fiquei levemente desapontado ao saber dos DLCs de Scarlet e Violet. Será legal navegarmos em outros mares e nos prepararmos para os festivais, mas com a geografia que conhecemos seria “mais normal” a gente ir novamente para Kalos, passando por uma grande montanha na região vizinha e recomeçando nossas aventuras desde o sul, na cidade que infelizmente só conhecemos no pós-game, e não há muito a se fazer por ali.
Talvez a estratégia tenha sido pensada para proteger o competitivo do jogo e não “quebrar” as batalhas com o fenômeno Terastal frente à potência da megaevoluções, mas temos que concordar que a região inspirada na Península Ibérica é geográfica e didaticamente mais próxima do que conhecemos de uma cultura francesa do que uma filosofia da Terra do Sol Nascente. No entanto, serão criações bonitas e interessantes. Vamos ver como os desenvolvedores ligam os pontos.
E, recordando o passado mais um pouco, quem lembra das competições das fitas/chaves em que a Serena participava? Essas acrobacias e performances junto aos pokémon também têm tudo a ver com o glamour do país que serviu de inspiração para tal geração. Porém, com o tempo e o ritmo da franquia, que já desenhava há anos um cenário mais de batalhas PVE ou PVP (claro, se requerermos o online a parte), a grande emoção que captaria a atenção dos mais variados públicos saiu de cena.
Isso foi até implementado em Omega Ruby e Alpha Sapphire, de 2014, e movimentado também pelos jogos originais dos remixes, que tinham algo parecido, mas a ideia dos Pokémon Contest não foi para frente a ponto de ganhar um status de mecânica. Embora não sejam batalhas canônicas, ditas apresentações são como árduos desafios que superamos por nós mesmos, pensando e elaborando estratégias em busca de fluidez e perfeição, o que também nos faz ganhar experiência e, de certa forma evoluir, afinal.
Kanto, Johto (Hisui), Hoenn, Sinnoh, Unova, Kalos, Alola, Galar, Paldea,… Japão, Nova York, França, Havaí, Reino Unido, Península Ibérica,… “É sempre difícil começar outra vez/decidir a viagem, o que vai fazer?” Quais serão os cenários e as culturas que motivarão nossas particulares jornadas nos capítulos seguintes? Através da disciplina e de seus valores transmitidos, Pokémon ultrapassa barreiras e nos emociona, nos permitindo sonhar junto ao pequeno Satoshi Tajiri ao olhar para a vastidão dos arredores de nossas casas.
A infantilidade do desenho fala que “não há razão para temer/ao saber que você tem o poder”, e apesar de a realidade do mundo no qual vivemos ser distante de um desenho para crianças, “quando saímos com os nossos pokémon, qualquer lugar está bom”. Mas eu já falei demais por hoje e we gotta catch’em all. A rota e as evoluções, somos nós que as fazemos. Pokébola, vai!
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