
Desenvolvedora: Jump Over The Age
Publicadora: Fellow Traveler
Data de lançamento: 05 de Maio, 2022
Preço: R$100,76
Formato: Digital
Análise feita no Nintendo Switch com cópia fornecida gentilmente pela Fellow Traveler.
Revisão: Davi Dumont Farace
Apesar de ser considerado pela crítica como um dos melhores jogos independentes de 2022, Citizen Sleeper pode ter passado batido por muitos. Com levas e mais levas de produtos sendo lançados a cada dia, obras de valor cada vez mais passam despercebidas, criando um ciclo infeliz em que jogos são cada vez mais rapidamente esquecidos. E Citizen Sleeper, em específico, por trazer à tona a temática da obsolescência programada e das consequências do Capital, se torna um excelente caso de estudo quando observado nessa perspectiva.
Cerca de um ano e meio após seu lançamento e já com sua sequência anunciada, busco olhar para a obra sem viés: sei que o jogo recebeu boas críticas, mas não conhecia a narrativa nem sabia sobre suas mecânicas antes de começar um novo save. Sendo assim, adentremo-nos ao reino cíber-onírico que aqui se apresenta.
Apresentação e gameplay
Em termos gerais, Citizen Sleeper é um jogo de gerenciamento de dados e ações, gerando um log textual a cada ação. Controlamos um Sleeper: uma espécie de replicante construído a partir de um humano que vende sua capacidade cognitiva à uma megacorporação para criar uma inteligência artificial que servirá como mão de obra compulsória. Por conta das limitações do corpo de metal, que se desgasta com o tempo, temos restrições e condições que precisamos observar: fome, energia, habilidades especiais, entre outros, que impactam no leque de possibilidades de ações.
Dou um passo atrás. O jogo se alimenta em um loop extremamente simples: a cada dia, perdemos certas quantias de energia e fome, que de forma simplificada indicam a quantidade de dados que podemos rolar no início do ciclo. Com o resultado em mão, podemos escolher diferentes ações (trabalhos pagos, explorar regiões, investigar personagens etc). A partir das ações, podemos receber dinheiro ou objetos em específico que possibilitam novas ações (comprar comida, usar remédios para recuperar a energia etc).

Em suma, o loop é extremamente simples. Apesar de modificadores em dados e de sistemas de probabilidades quanto aos resultados das ações, toda a parte de gerenciamento é secundária, dando espaço à escrita e ao desenvolvimento de personagens. Ainda assim, como o jogo nos dá a oportunidade de escolher a ordem de ações e como algumas são acessíveis apenas por uma quantidade limitada de tempo, o gerenciamento garante certa personalização a cada jogatina, alternando a ordem dos eventos e o sucesso ou fracasso de certas situações.
Soma-se a isso o mapa: uma gigantesca arca curva com cenários distintos, dando-nos uma gama imensa de possibilidades, a trilha sonora, soturna e melancólica, e as artes dos personagens principais, que interagimos para darmos continuidade à narrativa. A apresentação como um todo funciona muito bem com a proposta distópica do enredo, fazendo-nos sentir a sujeira do ambiente e dando-nos ao mesmo tempo uma sensação claustrofóbica da clausura espacial e, ao mesmo tempo, a angústia da vastidão infinita do espaço em nossa volta.

Tendo apresentado tais elementos, falarei a fundo a respeito da narrativa, que sem dúvidas é o foco da obra. Como último comentário, destaco apenas que o sistema de jogo não causa uma impressão tão boa quanto poderia, o que é uma pena. Ao termos uma gama grande de atividades para fazer que dependem de sorte, e graças a recursos limitados que demandam rodadas a mais para serem obtidos, na verdade o que podemos passar a sentir é um cansaço, com o jogo a todo instante querendo aumentar sua duração mais do que deveria. Essa tendência artificial é, curiosamente, uma armadilha que o jogo parece alertar, mas também se vê vítima. Concluo o raciocínio nas considerações finais.
Dois dedos de prosa
Citizen Sleeper começa com o despertar de nosso personagem. Tendo escapado da megacorporação que teoricamente o controla, vê-se oculto em um container dentro de uma colossal estação espacial chamada “The Eye”. Apesar de não termos uma história central, somos apresentados a várias rotas principais, envolvendo máfias, atividades suspeitas de oligopólios, condições subhumanas de emprego… todas envoltas a partir de um conjunto de personagens, que com o tempo apresentam suas origens e suas aspirações, e podemos escolher se vamos ajudá-los ou não.
A falta de um centro não ofusca a obra. Na verdade, acaba a convertendo em uma antologia, com várias pequenas histórias que devemos desvendar. E apesar de elas não se relacionarem, apenas ao seguirmos uma rota podemos desbloquear áreas importantes em outras, por exemplo, inexistindo algo de ordenado na progressão. Ainda assim, sinto que o jogo tenta, mas não convence em duas bases fundamentais de seu loop.

A primeira é a sua estrutura. É compreensível o jogo, por ser um jogo, ofertar opções ao jogador, já que convencionalmente missões secundárias existem e acontecem simultaneamente em várias obras. Quando estamos falando de um gênero textual, contudo, as sobreposições situacionais não se somam, apenas criam cacofonias.
É possível até criar o argumento que a cacofonia é intencional: o cyberpunk demanda a melancolia despertada pelo sufoco, a alienação e o desprezo da lógica andando lado a lado. Ainda assim, como os eventos não acontecem em sequência, e sim de forma simultânea, a sensação de progresso é impactada, já que parece que sempre estamos repetindo os mesmos diálogos e nas mesmas condições, mas com personagens diferentes. Ilustrando melhor, parece que estamos lendo cinco livros ao mesmo tempo, mas lendo o primeiro parágrafo de todos, depois o segundo, o terceiro, e assim sucessivamente, causando um cansaço desnecessário.
O segundo ponto é a escrita em si: apesar de considerar as ideias aqui por trás boas, não consigo elogiar o quanto gostaria a execução. Como a mídia literária é drasticamente distinta da mídia de jogos digitais, claro que uma linguagem não pode ser transcrita de uma a outra, mas o meio-termo aqui estabelecido é arrastado e desinteressante, na maior parte do tempo, para ambos os lados. Na parte literária, a escrita não se permite certas liberdades que deixam a prosa mais interessante, e sem qualquer cinematografia, atuação ou animação de sprites, o texto aparece extremamente burocrático, cumprindo sua função para guiar a história, mas nunca se destacando.
Conclusão
Apesar de meus comentários negativos, não diria que o jogo é ruim. ainda que eu ache desnecessário, há algum apelo no looping e no processo de tomada de decisão com o resultado dos dados, e a maior parte das histórias é instigante, com reais consequências às nossas ações. Se critico a escrita, realmente parto de um lugar de frustração porque é possível ver princípios de autoralidade, mas que não se mesclou da melhor forma com a proposta.

A ideia, afinal de contas, é uma: somos observadores de cotidiano de uma sociedade em ruínas por conta da ambição humana. O jogo parece querer nos colocar como flaneurs, mas parece lhe faltar referências no conto para amarrar com melhor efeito as narrativas: em Quiroga e Tchékov, por exemplo, entendemos o quão importante é apresentarmos apenas o crucial em um conto, o que explica porque é tão enfadonho os diálogos desnecessários de lore que poderiam ter sido resumidos à ideias centrais. Mas é como apontei acima; o jogo parece ser vítima do mesmo sistema de Capital que tanto critica, e cai em tropes batidos, com uma duração excessivamente e artificialmente estendida.
Citizen Sleeper é um projeto cheio de potenciais, mas seria extremamente injusto falar sobre um jogo que idealizo, mas que ainda não existe. O material aqui presente, de toda forma, é de qualidade elevada no gênero, e merece sim ser visitado por aqueles que não tiveram o prazer de conhecê-lo.
Prós:
- Apresentação e arte nos fazem mergulhar no universo;
- Amplo leque de escolhas e consequências de ações.
Contras:
- O sistema de dados por vezes parece ser desnecessário e criado para estender a duração do jogo;
- Diferentes rotas e escrita convoluta criam certa sensação enfadonha.
Nota final:
7,5
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