
Revisão: Davi Sousa
Poucos jogos conseguem, ao mesmo tempo, desconstruir o próprio legado e erguê-lo de volta com ainda mais força. The Legend of Zelda: Breath of the Wild fez exatamente isso em 2017 — e em 2025, revisitado no contexto do Nintendo Switch 2 e com suporte ao português brasileiro, o impacto do jogo ainda é palpável.
Mesmo anos depois e com um sucessor robusto como Tears of the Kingdom, Breath of the Wild continua sendo uma das experiências mais ousadas da franquia, com suas decisões artísticas, mecânicas e estruturais reverberando até hoje.
Uma nova Hyrule… e um novo silêncio
Desde os primeiros minutos, o que marca em Breath of the Wild é a atmosfera: silêncio quase absoluto, sons sutis da natureza e uma vastidão que mais parece o último suspiro de Hyrule após o colapso. É o tipo de experiência que não se impõe com música ou roteiro — ela deixa você ouvir o mundo. O visual cartunesco com nuances maduras lembra um ponto entre The Wind Waker (GameCube) e Twilight Princess (GameCube/Wii), e isso define bem o tom do jogo: leve, mas melancólico. Vivo, mas quebrado.
O mundo aberto de Breath of the Wild chama atenção não só pela beleza ou pelo tamanho, mas pela maneira como se conecta ao olhar do jogador. Ao contrário de muitos sandbox genéricos, que confundem quantidade com qualidade, BOTW te convida a explorar pelo puro prazer da descoberta. Um brilho distante no horizonte, uma estrutura solitária no alto de uma montanha ou uma sombra projetada no relevo são mais eficazes do que qualquer marcador de missão.
Hyrule não se entrega de imediato; ela sugere, convida, provoca. E é justamente nessa relação sutil entre o que se mostra e o que se esconde que o jogo constrói uma das experiências de exploração mais naturais e envolventes dos videogames. Não é um mundo que te pega pela mão, é um mundo que te observa em silêncio, esperando o momento em que você decide ir.

Liberdade com peso e consequência
A liberdade em BOTW é real. Você vai aonde quiser, como quiser, no ritmo que bem entender. A jornada de Link não é sobre cumprir objetivos, e sim sobre montar sua própria narrativa. Ver uma cidade como Hateno, por exemplo, evoca lembranças da série — um suspiro caloroso num jogo onde a solidão domina.
O combate, apesar de mais simples que jogos de ação contemporâneos, é o melhor da franquia até hoje. Esquivas perfeitas, parries, estratégias com física e poderes da Tabuleta Sheikah (como Magnétis e Estátis) trazem profundidade e criatividade às batalhas. Mas agora entra o ponto mais controverso: as armas quebráveis.
O sistema de durabilidade é polêmico desde o início — e continua sendo. Jogadores como eu aceitam por obrigação, não por prazer. Armas descartáveis eliminam o senso de conquista e apego, e mesmo a Espada Mestra, que deveria simbolizar permanência, cede ao desgaste. No fim, é um jogo que nos dá liberdade, mas nos limita nos momentos em que mais queremos criar raízes.

Templos, tecnologia e o vazio que fala
Os santuários são muitos, e funcionam como quebra-cabeças rápidos. Alguns brilham, como aqueles nos Picos Gêmeos que envolvem constelações ou a ilha distante sem equipamentos, mas a repetição pesa. As Feras Divinas, por sua vez, impressionam no visual tecnológico, mas decepcionam na execução: todas seguem a mesma fórmula, com o mesmo estilo e duração.
A ausência de dungeons tradicionais é um dos pecados mais notáveis de Breath of the Wild. Faltou um equivalente ao Forest Temple, algo com identidade arquitetônica forte, atmosfera própria e desafios memoráveis. As Feras Divinas, embora conceitualmente interessantes, compartilham uma estética repetitiva e não oferecem a mesma profundidade dos templos clássicos. Ironicamente, foi em Echoes of Wisdom (Switch) — um jogo menor, com estética de brinquedo e muito menos ambição técnica — que voltamos a sentir o gosto daquele design de dungeons que marcou a série.

A história que ficou no passado
Dentre as muitas mudanças que Breath of the Wild propõe, uma das mais sentidas é a forma como a narrativa foi tratada. A história tem alma, mas falta corpo. Grande parte dos eventos importantes já aconteceu há cem anos, e o que vivenciamos são apenas ecos — memórias fragmentadas, registros dispersos e aparições breves. O presente parece mais uma sombra do passado do que uma trama em movimento. NPCs genéricos e missões secundárias pouco inspiradas reforçam essa sensação de vazio narrativo. O mundo é vasto, bonito e cheio de potencial, mas carece de histórias que realmente nos façam sentir parte dele.
Junto a isso, temos uma trilha sonora que sussurra, mas não canta. Em vez de grandes temas ou melodias marcantes que ajudaram a construir o imaginário de cada região de Hyrule, a trilha sonora de BOTW aposta no silêncio e nos sons sutis para construir a atmosfera do jogo. E na maior parte do tempo, essa escolha funciona: a música reage ao ambiente, reforça a imersão e nunca soa repetitiva, mas, ao mesmo tempo, deixa saudade das trilhas grandiosas dos Zeldas antigos — aquelas que não só acompanhavam a aventura, mas também a guiavam.
Ainda assim, há momentos que resgatam essa alma musical da franquia. O tema da Floresta Korok é uma pérola nostálgica, e a música da Vila Hateno entrega o aconchego típico da série. As batalhas contra chefes, com temas tensos e bem compostos, também elevam o clima nos momentos certos.

Visualmente belo, mesmo com limitações
Tecnicamente, o jogo tem seus tropeços. Modelos simples, texturas básicas e quedas de framerate não passaram despercebidos no Switch original, mas a direção de arte resolve tudo. O céu de Breath of the Wild é quase um personagem. O pôr do sol, o brilho da grama ao vento, tudo contribui para uma estética que nunca dependeu de realismo.
No Switch 2, a promessa de 60 quadros por segundo, resolução estável e idioma em português brasileiro tornam a experiência ainda mais fluida, acessível e imersiva do que nunca.

Um vazio cheio de significado
Breath of the Wild ainda se sustenta em 2025? Sem dúvida. Porque seu mundo, apesar de “vazio”, fala. As ruínas contam histórias. O silêncio revela uma Hyrule pós-apocalíptica que não precisa de diálogos para ser compreendida. É o mesmo tipo de beleza que encontramos em Shadow of the Colossus: a ausência aqui é presença.
E mesmo com Tears of the Kingdom oferecendo um escopo maior e mais mecânicas, Breath of the Wild mantém seu charme intacto. Sua simplicidade não é limitação — é parte da proposta. Um convite à contemplação, à descoberta e ao reencontro com a essência da aventura.
The Legend of Zelda: Breath of the Wild não é o Zelda definitivo, mas talvez seja o mais importante desde Ocarina of Time (N64). Revolucionou não só a franquia, mas o próprio gênero de mundo aberto. Ainda assim, falha onde não podia falhar: nas raízes da série. Sem templos memoráveis, sem itens únicos, sem personagens marcantes — a essência de Zelda se dilui.
Mas como jogo? É uma obra-prima. Como marco? Um divisor de águas. Como legado? Inesquecível.