
A declaração da ministra dos Esportes do Governo Lula, sobre eSports, trouxe à tona uma nova polêmica que incendiou as redes sociais no início desta semana. Na ocasião, Ana Moser, ao ser indagada se haveria investimento da pasta para a modalidade, afirmou não ter intenção de o fazer, já que o mesmo se enquadra mais na ideia de indústria de entretenimento (que arrecada bilhões anualmente, é bom frisar) do que esporte propriamente dito. Simplificando, o que a ministra disse é que não haverá investimento do poder público – no que se refere ao ministério do esporte – nesse setor. A discussão de ser ou não uma modalidade “esportiva”, que foi a tônica dos debates, é um pouco mais complexa do que assertivas maniqueístas que pipocaram na rede.
O que é esporte?

Segundo Valdir Barbani, a definição de “esporte” perpassa por certas condições específicas envolvendo uma atividade física ou cognitiva que é institucionalizada (ver BARBANI, Valdir). Tem que ser competitivo, seguir regras formais fixas e ter condicionais padronizadas em prol de uma premiação: dinheiro, troféus, medalhas, fãs etc. É um fenômeno cultural que influencia e sofre influência do meio social. Vemos nas práticas esportivas noções de competição, prática de uma atividade física e promoção da saúde (física ou mental). Há uma diferença, entretanto, entre o esporte e o lazer. O futebol com os amigos em um domingo, a corrida matinal para manter a forma, o xadrez com o irmão para matar o tempo são atividades recreativas (não esportivas), brincadeiras despretensiosas e sem interesses materiais, que visam apenas o entretenimento.
Por essa ideia inicial, podemos acreditar que as atividades desenvolvidas por nomes como Gabriel “Fallen”, Leonardo “Zigueira”, Guilherme “GuiFera”, Gaulles e tantos outros – alguns dos quais já subsidiados por estatais como o Banco do Brasil – se enquadram dentro da ideia de esporte. Mas, como disse mais acima, as coisas não são tão simples. Sabemos que a atividade esportiva envolve habilidade motora complexa ou esforço físico, mas nem tudo que exige isso é considerado esporte. Dessa forma, há a necessidade de nos aprofundarmos um pouco mais no tema, para compreendermos todo esse imbróglio. Mas, antes de continuar, fica aqui o questionamento: há realmente a necessidade de equipararmos os esportes tradicionais ao esporte eletrônico? O quanto isso ofusca a já rentável indústria que o eSports fomenta?
Vida social e vida virtual

Os jogos em geral sempre acompanharam o nosso desenvolvimento, se configurando como parte da experiência humana. Os avanços tecnológicos modificaram não só as nossas interações sociais como também a própria ideia do “jogo”. É dentro desse contexto sócio-histórico, na segunda metade do século XX, que vemos surgir os videogames. Com o tempo, mais do que entreter, eles tornaram-se em ferramentas que ajudam na construção do conhecimento de forma lúdica. Para Luciana Alves e Alysson Massote, por exemplo, os jogos estimulam a concentração, pois “crianças e adolescentes envolvidos com jogos de videogame apresentam maior habilidade para alocar de forma mais eficiente seus recursos atencionais tanto no que diz respeito ao espaço quanto ao tempo”.
As dinâmicas da vida social se diferem da vida virtual. A ideia de relacionamento, de interação, de trabalho, recebem termos ou adjetivos específicos que os ligam semanticamente ao seu relativo no mundo real, mas que ao mesmo tempo o diferencia dentro de nosso contexto social. Nesse sentido, um namoro virtual se transforma num web namoro; o trabalho vira home office; o jogo – como citado no parágrafo acima – virou videogame; e por aí vai. Assim, sob esse ponto de vista, a problematização em cima do nome é redundante, na medida que eSport é o termo utilizado dentro do mundo virtual para conceituar o “esporte” ou as competições desse universo de metadados. Como aponta Koselleck há distinção entre as palavras e os conceitos: “Todo conceito se prende a uma palavra, mas nem toda palavra é um conceito social e político. Conceitos sociais e políticos contêm uma exigência concreta de generalização, ao mesmo tempo em que são sempre polissêmicos” (KOSELLECK, R. p. 107).
A barreira empresarial

Para além da questão semântica temos também um problema de ordem política e econômica, na medida em que a ideia de esporte tende a universalização e domínio público. Não é o que vemos no eSports. Digo isso, porque são propriedades intelectuais de empresas específicas que detém o monopólio da construção dos campeonatos e das obras como um todo. São elas que organizam as competições, se utilizando, obviamente, dos produtos por eles desenvolvidos e distribuídos. Essa dinâmica entrava legalmente o papel do Estado na garantia das práticas esportivas para os cidadãos brasileiros, como disposto no artigo 217 da Constituição Federal (“É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais como direito de cada…”), já que não há garantias de que tais práticas irão se manter fora dessas ditas empresas. Para o Estado é mais seguro financiar a indústria de jogos como entretenimento (como já o faz) do que como “esporte”.
Para melhor exemplificar o que estou falando, a Riot encerrou o competitivo ocidental de Wild Rift e a Garena dá sinais de que pode fazer algo parecido com a Liga Brasileira de Free Fire, já que não renovou contrato com narradores e comentaristas da LBFF para 2023. E se, hipoteticamente, a Riot decidir retirar League of Legends das lojas? Será que se um dia eSports forem incluídos nos Jogos Olímpicos, as desenvolvedoras vão liberar a regulamentação das competições para uma federação internacional? Para um campeonato de futebol acontecer basta ter uma confederação. Se a FIFA acabar, o mais provável é que outra confederação surja para absorver as responsabilidades acerca da regulamentação da competição. E isso é algo que, dificilmente, veremos com os eSports.
Esporte é esporte e eSports é eSports
Dessa forma, por mais que hajam semelhanças, como equipes, patrocinadores, coachs e todo um treinamento intensivo para uma aprendizagem sistêmica, fora do mundo virtual, aos olhos de espectadores e de parte da sociedade civil que não joga videogame, os eSports se apresentam como uma manifestação cultural que assume uma finalidade mais arraigada na ideia de entretenimento. As competições de futebol, corrida, vôlei, basquete, natação irão permanecer à revelia de governos, empresas e federações. Um campeonato de CS: Go, DOTA ou LOL, não. Semanticamente é o esporte do mundo virtual, mas que é diferente do esporte do mundo real. E isso não é demérito!
BARBANI, Valdir. O que é esporte? In: Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde. pp.54-58
KOSELLECK, R. Futuro passado. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora PCU-Rio, 2006.
Revisão: Paulo Cézar
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