Revisão: Marcos Vinícius
A série de jogos Persona, surgida como um derivado da franquia Megami Tensei, da ATLUS, emula muitas situações cotidianas. Diferente de SMT, é possível enxergar um foco maior na narrativa e dinâmicas sociais. Como se nossas ações rotineiras (estudar, trabalhar, namorar, fazer amigos etc) fossem uma aventura tão (ou mais) interessante que enfrentar monstros e demônios numa dungeon.
Persona 5, em especial, se diferencia por simular não só um retrato de uma vida normal, como as complexidades das relações sociais e traumas como um todo. A psique humana e nossos comportamentos fazem parte do mundo do jogo.
Para além das instâncias da psique humana

Acredito que seja consenso afirmar que viver em sociedade é viver dentro de uma coletividade. Desde o nosso nascimento somos influenciados pelo meio social em que estamos inseridos. Só que isso é uma via de mão dupla, na medida em que, de igual forma, nossas ações também são capazes de influenciar os outros. É dessa forma que nossa individualidade, nossa subjetividade, vai sendo construída.
Como se nossa vida fosse uma grande colcha de retalhos. Mais do que a construção de nossa própria identidade, o convívio em sociedade afeta o nosso “sentir”. Assim, atitudes ruins podem gerar traumas em pessoas que estão à nossa volta. E uma boa ação pode ser o diferencial para aquele que, mesmo em sociedade, se sente isolado.
Persona 5 demonstra – sob a ótica de uma peça de entretenimento – como comportamentos nocivos e criminosos podem impactar de forma negativa no nosso psicológico. Temas pesados como bullying, suicídio, assédio moral e sexual e demais condutas imorais fazem parte da trama do jogo. O grande poder dos jovens protagonistas, que fundam o grupo Phantom Thieves, é enxergar – me utilizando do conceito da psicologia Freudiana – para além das instâncias que formam a psique humana, a raiz ou o coração desses problemas.
Se livrando da máscara social

Freud analisava que certas ações são guiadas pelo inconsciente, sendo possível descobrir a origem de distúrbios psicológicos e características da personalidade através da interpretação de sonhos. E isso é apresentado no jogo através de nossa interação com o personagem Igor, no Velvet Room. O espaço nada mais é do que uma projeção consciente do nosso subconsciente, em uma espécie de sonho lúcido. O herói do jogo se vê prisioneiro do mundo em que vive. Logo a projeção de seu subconsciente é retratada como uma prisão. Essa é a primeira etapa no despertar do poder do seu Persona. Há, porém, uma etapa final: a quebra do contrato social.
Desde cedo somos apresentados a esse contrato que serve para transicionar o mundo natural para o social. Aprendemos que nossos comportamentos, falas e até mesmo vestuário, devem acompanhar a variação dos ambientes que frequentamos. São valores morais que guiados pela ética indicam o que podemos ou não fazer. É como se usássemos uma máscara que norteia e limita nossas ações de acordo com o meio. Quando os jovens de Persona 5 despertam finalmente o seu poder, eles se livram justamente dessa máscara social, simbolizada por entidades que representam o espírito de seu portador e que dão nome ao título do jogo.
Explorando o metaverso

Se nossa mente pode ser considerada um reino, a psique deformada dos vilões do jogo, que os Phantom Thieves precisam lidar, é representada pelo Metaverso, uma projeção do subconsciente simbolizada por castelos. Essas grandes muralhas funcionam como as clássicas dungeons dos RPGs, em que a exploração é casada com batalhas e alguns puzzles para chegarmos até o chefão. No Metaverso a projeção distorcida do vilão corrompido representa o próprio distúrbio psicológico. Eliminar o distúrbio – simbolizado aqui pelo roubo do coração do inimigo (o seu tesouro) – acarreta na recuperação do personagem em questão no mundo real, não na sua morte.
Ao ajudar as pessoas que estão à nossa volta, livrando-as de seus traumas, conseguimos obter uma maior compreensão do nosso “eu”. Como se o autoconhecer-se só fosse possível depois que se conhece, de fato, os “outros”. Fernanda Lima Lopes, acredita que a “formação de uma auto-imagem e de uma autoconsciência não provém apenas de uma reflexividade interna, mas deriva de trocas, ou seja, de inter-relações sujeito-sujeito no espaço social”. Nosso próprio personagem se encontra num momento de autoconhecimento e reabilitação. A forma como interagimos com nossos companheiros, por exemplo, melhoram a afinidade, combos e golpes diversos durante as batalhas nas dungeons. Está tudo conectado.
Diferentes leituras
A leitura que o jogador pode fazer de Persona 5, pode ser rasa ou profunda. Tudo vai depender de sua bagagem e disposição, afinal toda interpretação de obras artísticas e literárias orbita em certa subjetividade.
E isso à revelia da intenção de seu autor. O título nos desafia a pensar em nossas próprias condutas e ressignifica valores comuns vinculados à ideia de um grupo que define noções de “certo” e “errado”. Por focar muito nos diálogos e interações sociais, Persona 5 é um jogo que requer paciência, mas que nos recompensa com uma trama envolvente, simulando situações cotidianas e traumas diversos sem cair na leviandade.
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