Desenvolvedora: MAGES.
Publicadora: Nintendo
Gênero: Aventura Textual
Data de lançamento: 29 de agosto, 2024
Preço: R$ 249,00
Formato: Físico/Digital
Análise feita no Nintendo Switch com cópia fornecida gentilmente pela Nintendo.
Revisão: Davi Sousa
Emio – The Smiling Man: Famicom Detective Club é o mais novo jogo de uma franquia começada há quase 40 anos. Diante de tanta história por trás dessa obra, permita-me abrir um pequeno parêntese sobre o seu contexto antes de começar a avaliação de fato.
Em 2021, a Nintendo lançou os remakes de Famicom Detective Club no Switch, marcando assim a primeira vez que as clássicas aventuras textuais chegavam ao Ocidente. As obras originais haviam sido lançadas no fim da década de 1980 e tiveram grande notoriedade na consolidação do gênero no Japão, junto com outros clássicos, como Portopia e Tantei Jingūji Saburou, que veio a ser conhecido no Ocidente como Jake Hunter no fim da década de 2000.
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A tradução desses jogos já era uma considerável vitória para fãs do gênero, que dificilmente esperariam que uma obra totalmente inédita da franquia poderia vir à tona. Isso é ainda mais verdade para aqueles que ainda sentem a falta de localização de Buddy Mission Bond, um jogo notável do gênero lançado pela Nintendo na mesma época dos remakes de FDC, mas apenas no Japão.
Com o teaser inicial, algumas pessoas começaram a suspeitar do que se tratava, mas o anúncio de um Famicom Detective Club totalmente inédito ainda foi um choque para a maior parte das pessoas. Finalmente temos Emio em mãos, e já adianto que o jogo não apenas corresponde às expectativas de uma nova obra da franquia, mas também é um ousado atestado da competência de seu escritor e demais criadores.
Um sorriso eterno
Tudo começa com o surgimento de um corpo em condições misteriosas. Para a investigação, a polícia decide contar com o apoio da Agência Utsugi de Detetives, devido a algumas peculiaridades do caso. Sem entrar em grandes detalhes, a vítima teve seu rosto coberto em uma sacola de papel com um rosto sorridente desenhado em cima.
Agora cabe ao nosso jovem protagonista, a Ayumi e ao sr. Utsugi tentar desvendar o mistério por trás dessa morte. Porém, no caminho, eles acabarão esbarrando em conexões com um caso de 18 anos atrás e uma lenda urbana. Será que é o mesmo criminoso por trás de tudo? Ou será que há algo ainda mais sinistro envolvendo todos esses casos?
Em todas as situações, uma figura recorrente é a de Emio, ou “homem sorridente” em japonês. Reza a lenda que um homem com o rosto coberto por uma sacola de papel promete acabar com a tristeza de jovens garotas, dando-lhes um sorriso eterno ao matá-las e cobrir o seu rosto com a sacola.
De forma geral, o mistério é muito interessante e bem-escrito. Todos os momentos da trama são bem conduzidos, indo de pequenas quebras para o humor a momentos cujo drama é de partir o coração ao entender melhor o contexto de alguns indivíduos. As reviravoltas são conduzidas de uma forma que mantém a tensão do início ao fim.
Vale destacar que, ao final, a trama ainda se preocupa em amarrar todo o caso com um trecho que cobre todo o histórico por trás dos crimes. Não considero que era necessário, mas é uma adição muito boa para não deixar nenhuma dúvida para o jogador sobre os detalhes. Destaco também que as cenas aqui têm momentos bastante violentos e que é importante ter em mente que a classificação indicativa de 16 anos no Brasil não é à toa.
Brincando de detetive
Em termos de gameplay, The Smiling Mané uma aventura textual cuja estrutura é baseada em comandos. Ou seja, nossa interação com o mundo se dá através da escolha de ações como “olhar”, “conversar” e “chamar alguém distante”. Entre trechos de diálogo e animação, temos a oportunidade de testar essas opções para conseguir mais informações.
Com o “olhar”, podemos vasculhar as áreas visíveis em um sistema de point-and-click, lendo textos, observando o comportamento de pessoas, etc. No “falar”, muitas vezes temos múltiplas opções de tópico para tentar ver como a pessoa responde a determinado assunto. Em alguns momentos, os mesmos comandos podem ter subcomandos em lista ou não por conta do contexto.
A estrutura do jogo é assim, baseada em contexto, fazendo com que um mesmo comando possa significar coisas diferentes dependendo da situação. Por exemplo: o “falar” na verdade também é “escutar”, sendo marcado como “Talk/Listen” no menu, então pode ser usado para detectarmos barulhos estranhos.
Essa ambiguidade de termos pode ser um fator de complexidade, embora o jogo amenize um pouco isso com alguns indicadores. Primeiramente, temos o destaque de novos comandos em amarelo. Ao contrário dos remakes, ele apenas pisca brevemente, então o jogador pode perdê-lo de vista se desviar o olhar no momento.
Outro elemento é a adição de cores para as palavras-chave, algo que ajuda a guiar o jogador para próximas ações, mas pode ser eliminado para os mais puristas. Por fim, ainda temos o extremamente útil comando “Think”, que leva nosso personagem a refletir qual deve ser a sua próxima ação, e é inclusive obrigatória de se usar em alguns momentos para lembrar de um tópico.
Infelizmente, mesmo com esses elementos e uma lógica de conexão de diálogos honestamente mais clara que os antecessores, ainda não sabemos se um comando específico trará resultados ainda não vistos. Por conta disso, a experiência ainda pode ser confusa ocasionalmente, embora o jogo tenha poucas opções o suficiente para que nunca seja um problema demasiadamente complexo achar a resposta certa.
Re:visão
Ao final de cada capítulo, temos um momento para recapitular as informações já vistas. Essa revisão dos fatos faz com que o jogador tenha que pensar no caso, lembrar dos detalhes e entender as suas implicações. São feitas perguntas sobre o que foi visto e temos algumas opções de resposta.
Além de poder escolher uma resposta em uma lista, algumas questões envolvem o uso de palavras-chave ou a necessidade de respondermos nós mesmos preenchendo uma palavra com o teclado do Switch. Esses elementos de interação são uma forma excelente de mergulhar mais a fundo no mistério e se sentir de fato como um detetive solucionando o caso.
Na prática, a história avança mesmo que nossa performance seja ruim, embora certos momentos possam exigir que cheguemos à resposta certa antes de avançar. Uma novidade do jogo é que podemos conferir o nosso desempenho em um menu especial após concluir a história, sendo assim convidados a tentar novamente para buscar mais detalhes e demonstrar mais conhecimento.
Vale destacar que desta vez temos um caderno muito mais detalhado em vez de um bloco de notas simples. Além de ajudar o jogador a entender melhor tudo que foi falado até aquele presente momento, ele é usado ocasionalmente como forma de extrair nomes e palavras-chave. Porém, ao contrário dos remakes, não podemos abri-lo a qualquer momento, então não dá para simplesmente abusar desse sistema para perguntas de múltipla escolha.
De forma geral, se compararmos o funcionamento de Famicom Detective Club ao popular Ace Attorney, podemos pensar que as abordagens se preocupam com aspectos diferentes da experiência. Ace Attorney é uma série em que os elementos de interação humana são geralmente mais convenientes e o único aspecto lógico que às vezes é confuso está na hora de apresentar contra-argumentos.
Já FDC é um jogo em que o simples ato de conversar com alguém pode ser visto como um quebra-cabeça. O jogo quer que a pessoa que joga se esforce para extrair as informações das pessoas, então o design estrutura o fluxo com certas lógicas que o jogador deve pensar “Será que é a hora de perguntar sobre X?” ou “Será que olhar no olho da pessoa ou procurar algo no cenário fará diferença agora?”.
Trata-se de um gosto adquirido e pessoalmente considero que o formato de Ace Attorney faz um jogo mais confortável e conveniente no fim das contas, o que valorizo muito. Porém, são escolhas de design e não erros ou algo que os criadores não entendiam o que estavam fazendo, e é importante ter isso em mente para aproveitar o jogo.
Animação, fluidez e um mundo vivo
Quando falamos de aventuras textuais (que muitas vezes são agrupadas genericamente como visual novels, embora seja possível demarcar distinções de gameplay), geralmente pensamos em uma estrutura de economia de verba nos aspectos visuais. Temos geralmente imagens simples, uma estrutura de câmera fixa para diálogos, entre outras coisas.
Porém, quando se trata de Emio e dos remakes de Famicom Detective Club, a direção audiovisual é de tirar o fôlego. Primeiramente, temos os personagens animados utilizando a técnica de Live2D de uma forma extremamente vívida. Temos pequenas animações de respiração e boca falando, e até movimentação corporal detalhada.
Além disso, em vez de corpos flutuantes (uma tática usual do gênero), há uma preocupação enorme com espacialidade. Em vez de termos apenas sprites em cima de fundos, é como se aquele mundo 2D realmente existisse e os personagens estivessem inseridos nele. Quando chamamos alguém e a pessoa conversa enquanto está em seu espaço no background para só depois vir para um ponto mais próximo, é como se a vivência fosse muito mais realista, e isso tudo é feito de uma forma profundamente natural.
A direção das cenas também é impecável para construir a tensão necessária dos eventos ou abusar da quebra de expectativa para criar pequenos relaxamentos de humor. Temos aqui uma belíssima combinação com o roteiro, a bela dublagem dos personagens em japonês e a trilha sonora que evoca a sensação de época e é muito bem pensada para os momentos mais dramáticos.
Por fim, uma reclamação menor é o fato de não podermos usar a touchscreen do Switch para interagir com os comandos e com os ambientes. Para aventuras textuais, jogar no modo portátil e usar a tela de toque é uma das formas mais confortáveis de aproveitá-las, e é uma pena que isso não foi adicionado neste jogo (os remakes também não tinham).
Um testamento para não se arrepender do passado
Emio – The Smiling Man: Famicom Detective Club é um atestado da competência de sua equipe em consolidar um mistério de altíssima qualidade. Embora a estrutura lógica possa gerar confusões e não ser tão confortável, especialmente para novos jogadores do gênero, o que temos aqui é uma experiência francamente imperdível que se consolida como o ápice da série até aqui e mostra que há espaço para o gênero florescer ainda mais no mercado atual.
Prós
- Um mistério muito bem escrito, envolvente em suas reviravoltas e capaz de comover os jogadores;
- A forma como o jogo brinca com as animações, cenários e a apresentação audiovisual de forma geral é impressionante;
- As revisões de fim de capítulo e os sistemas de caderno, palavras-chave e digitar uma resposta contribuem para uma interação mais rica com o mistério;
- A reta final do jogo é apresentada em uma animação interessante que mostra toda a brutalidade dos eventos do início ao fim.
Contras:
- Apesar de um fluxo lógico bem mais claro que os jogos anteriores, a repetição de comandos já usados com resultados diferentes ainda pode gerar confusão desnecessária;
- Não permite o uso da touchscreen.
Nota Final:
9