Revisão: Lucas Barreto
Todo avanço tecnológico, dentro do mundo capitalista, impacta de forma negativa a vida da classe trabalhadora. As alterações na dinâmica no campo, promovido pelo Cercamento, no século XVII, desencadearam uma migração em massa dos trabalhadores ingleses para os centros urbanos. Arrumar emprego nas manufaturas tornou-se algo muito disputado, marginalizando uma grande massa de trabalhadores que ficaram desempregados.
Com o desenrolar da Revolução Industrial, a utilização de máquinas no processo produtivo aumentou ainda mais o número de desempregados e barateou a mão-de-obra. Uma das primeiras reações proletárias foi concentrar sua fúria não contra a política trabalhista dos patrões — protegidos pelo Estado inglês — mas sim contra as máquinas. O movimento, liderado por Ned Ludd, no início do século XIX, mostrou-se um fracasso. Alguns anos mais a frente, porém, a luta operária passou a atuar de forma mais organizada e ganhou força, conquistando os primeiros direitos para os trabalhadores.
A quarta Revolução Industrial
A atual fase da Revolução Industrial se centra na integração de tecnologias digitais ao nosso cotidiano. O mercado e o sistema vendem o discurso de que a tecnologia é uma ferramenta essencial para as empresas, que encurtam espaços e dão ainda mais eficiência nas tomadas de decisões e no processo produtivo como um todo. O uso da Inteligência Artificial (IA) é componente importante dessa quarta fase revolucionária. Ela pode permitir que dispositivos eletrônico executem algumas funções de modo quase autônomo.
O uso da tecnologia, no entanto, retoma os mesmos dilemas dos primórdios do surgimento das máquinas. O caminho, dessa vez, bifurca-se e os problemas se ramificam. Os perigos vão desde a perda de empregos e precarização, até questões de segurança e privacidade. A IA generativa, por exemplo, necessita de dados pré-existentes para poder “criar” algo, pois é alimentada por dados em massa. Alguns desses dados são extraídos, de forma sorrateira, de nossos perfis em redes sociais – as letras miúdas que não lemos. A ideia de criação da IA parte de algo que já existe (músicas, poemas, pinturas etc) e aí entra o debate do campo “ético”.
As nossas Leis falham ao cobrir as complexidades da tecnologia. Em suma, não há uma regulamentação mais abrangente. Nesse sentido, questões como roubo de propriedade intelectual, plágio e esquemas fraudulentos que fazem uso de deepfake para ciberataques não são combatidos de forma devida e são até tolerados por alguns. O discurso ético não chega nem perto de ser um dilema para as classes dominantes. Afinal, a ideia de “lucro”, defendida por eles, foge a qualquer tentativa de evocação dessa retórica.
A indústria de jogos e o uso da tecnologia
Empresas de jogos eletrônicos já há algum tempo usam a tecnologia para programar ações de NPCs e outras criaturas dentro do mundo do jogo. O “comportamento”, no entanto, é cíclico e ditado por regras definidas pelos desenvolvedores. A resposta desses personagens – que não são controlados pelo jogador – muda de acordo com nossas escolhas. E isso pode alterar também o caminho que estamos seguindo dentro daquele mundo. Jogos de RPG e títulos como GTA 5 e Red Dead Redemption 2, por exemplo, utilizam bastante esse tipo de IA. Mas, de toda forma, a linha de programação possui certo limite. E o recurso é usado pelos desenvolvedores para tornar a experiência com o título mais imersiva.
Outro uso nos jogos de IA são os elementos procedurais de cenários. Isso quer dizer que a cada nova experiência, algum elemento daquele mundo muda. Roguelikes como Hades, por exemplo, fazem muito uso disso. O caminho para cada boss se altera toda vez que vemos a tela de Game Over. O mesmo acontece com o labirinto de Mementos, em Persona 5. Existem usos mais ousados dessa tecnologia, principalmente em títulos com uma pegada mais exploratória. Todos os planetas de No Man’s Sky e Starfield, por exemplo, apesar de certas limitações, são únicos devido ao uso desse elemento procedural.
Jogos como Forza Motorsport fazem uso de IA para criar “clones” de nossos avatares em disputas contra algum outro jogador. Nesse caso, o jogo analisa o nosso comportamento e habilidades na pista para gerar os chamados drivatares, que mimetizam nossa maestria (ou não) ao volante. A Turn 10 utiliza, inclusive, os dados coletados com os drivatares para melhorar jogos. Outros títulos (esqueçam os da FromSoftware) fazem uso da tecnologia para ajustar a dificuldade do jogo com base na forma como jogamos. Enfim, tudo exposto até aqui são formas interessantes de usar a tecnologia para melhorar a experiência para o jogador.
No entanto, algumas empresas, cada vez mais, têm se mostrado dispostas a utilizar o recurso, especificamente, no processo de desenvolvimento de seus títulos. A Eletronic Arts, por exemplo, confirmou o uso de inteligência artificial no processo de desenvolvimento de seus jogos. Uma matéria de setembro deste ano, o site Adrenaline trouxe uma conversa que o CEO Andrew Wilson teve com investidores, em que ele afirmava “que a tecnologia generativa agora é considerada como o centro de seus negócios futuros”. É algo que atinge até mesmo artistas que trabalham fazendo captura de movimentos para os jogos. Outra matéria, dessa vez da Fast Company Brasil, relata o temor de que a IA possa reduzir ou eliminar as oportunidades de trabalho na área.
As consequências do avanço tecnológico
Do ponto de vista empresarial, quanto menor forem as despesas e o tempo de produção, melhor! Os efeitos nocivos do uso de IA na vida dos trabalhadores pouco importam. Precarização, desemprego, tudo é visto como dano colateral. O propósito da tecnologia para as grandes empresas segue mirando na ampliação das margens de lucro, nada mais. Dentro da indústria de jogos eletrônicos, cada demissão em massa e fechamento de estúdios, que presenciamos nos últimos anos, são provas disso. A Netflix, recentemente, fechou uma divisão criada para desenvolver jogos AAA, conhecida como Time Blue e, agora, anunciou que está investindo em IA generativa para acelerar o desenvolvimento de jogos.
Quantas profissões deixaram de existir, ao longo do tempo, conforme novas tecnologias foram surgindo? O problema não é a tecnologia em si, mas como o nosso sistema faz uso dela. O ser humano, desde o início do processo de industrialização, foi diminuído a mera mercadoria. Somos tão importantes para o mercado como uma chave de fenda para ser utilizada para parafusar uma mesa, ou um martelo a bater num prego.
Lutar especificamente contra essas novas tecnologias, como os Luditas, do século XIX, infelizmente, não logrará resultado. Essa é a consequência do avanço tecnológico dentro do mundo capitalista. Nunca será somente mera ferramenta a serviço das necessidades humanas, mas sim uma forma de diminuir os custos do processo produtivo.