Desenvolvedora: ARTDINK
Publicadora: Square Enix
Gênero: RPG baseado em turnos
Data de lançamento: 14 de novembro, 2024
Preço: R$ 299,90
Formato: Digital/Físico
Análise feita no Nintendo Switch com cópia fornecida gentilmente pela Square Enix.
Revisão: Davi Dumont Farace
Em um almoço típico brasileiro, é comum levar arroz e feijão. Mesmo que nem todo mundo acabe gostando dessa combinação, é inegável que essa mistura virou um “padrão” em nosso prato. Mas e se formos além e usarmos arroz e feijão como uma analogia de “comum/padrão” em termos de gêneros e arquétipos de jogos, como identificaríamos o “arroz e feijão” de cada tipo de jogo?
Para jogos de plataforma, eu diria que é Super Mario Bros., para jogos de tiro frenético e com foco no single-player eu diria que é DOOM ou Halo; mas e para meu gênero favorito, que são RPG’s, em sua maioria JRPG’s? Nesse caso, o mais “padrão” que você poderia encontrar, que basicamente criou uma fórmula e foi a aprimorando ao longo de muitas gerações, é uma das minhas franquias favoritas, e uma que faz um alto sucesso especialmente no Japão: Dragon Quest!
DRAGON QUEST III HD-2D Remake é um jogo que teve uma história engraçada desde o seu anúncio prematuro ainda em 2021, com muitos fãs esperando o mesmo por muito tempo, mas com dois anos inteiros se passando antes de termos alguma confirmação desse jogo até maio deste ano, no titular “Dragon Quest Day” – 27 de maio. Neste ano tivemos a notícia das plataformas que o remake sairia, e um teaser que apontaria algumas coisas a mais com a Nintendo Direct que aconteceria em menos de um mês depois: “o legado de Erdrick se aproxima”.
Mas o que esse jogo tem de especial em meio a tantos outros JRPG’s que lotam o Nintendo Switch (alguns até da mesma franquia e/ou estilo que este jogo propõe)? São essas e outras coisas que eu gostaria de falar nessa review totalmente enviesada do remake de um jogo que marcou a minha vida e a de muita gente também!
O legado de Erdrick
Antes de falarmos dos aspectos gerais do jogo, quem ou o que é Erdrick e por que esse remake é importante?
“Erdrick” se refere ao título dado ao herói central, o que é chamado em Dragon Quest de “trilogia Erdrick”, que engloba os três primeiros jogos. Enquanto em Dragon Quest I & II você controlava descendentes do Erdrick, no Dragon Quest III, o twist central era de que você estava controlando esse mesmo herói que viria a se chamar Erdrick, o que coloca Dragon Quest III como o primeiro jogo da trilogia em um ponto de vista cronológico, com esse motivo sendo a razão dele ter recebido um remake antes de I & II.
Dragon Quest III seguia um padrão semelhante aos títulos anteriores da franquia em termos de gameplay, mas suas adições gerais foram coisas que impactariam o mercado de RPG’s como um todo. Essas adições foram: um sistema de dia e noite, a opção de escolher o sexo do protagonista jogável, e outras pequenas adições para o sistema padrão de RPG que Dragon Quest tinha desde o primeiro jogo. Essas pequenas coisas podem parecer triviais, mas são padrões que futuramente outros RPG’s iriam se adaptar e até se inspirar!
O impacto que o terceiro jogo causou foi enorme no Japão. E eu diria que foi o ponto de virada para Dragon Quest, pois foi quando muitas crianças resolveram matar aula para comprar o jogo. Esta história ganhou status de lenda urbana até um tempo atrás ter sido confirmada como real pela própria Square, mas serve para mostrar que Dragon Quest III não é um mero jogo qualquer, é O RPG de sua respectiva época e console.
Tendo explicado toda a importância que esse jogo teve há três décadas, eu gostaria de aprofundar no remake e o que ele muda, adiciona, e no geral, melhora na experiência…
Acabe com o arquidemônio!
A história de Dragon Quest III é uma que segue o velho padrão do storytelling do herói, caindo em método que alguns chamariam de clichê, como um rei demônio por trás de tudo e um herói profetizado a derrotar este mal. Mas devo constar que Dragon Quest foi pioneiro neste tipo de história em jogos também. Neste caso você, o herói predestinado, deve começar sua jornada num reino pequeno e explorar um mundo vasto em busca de equipamentos mais fortes para seus aliados e derrotar os vários lacaios de Baramos, o titular “arquidemônio”.
A narrativa começa no reino de Aliahan, no aniversário de dezesseis anos do nosso herói (no meu caso, uma heroína chamada Ivy, porque gosto de dar nomes de personagens de Fire Emblem) e anos depois da morte de seu pai, Ortega, que pereceu na mesma jornada que começamos. Após uma conversa com o rei e algumas pequenas missões para conseguir itens específicos, o mundo do jogo se abre para uma exploração semi-linear.
Com algumas viradas, narrativas impressionantes e bosses marcantes, Dragon Quest III é um jogo que pode não te surpreender pela sua narrativa em si, dada a sua simplicidade; mas pela apresentação, que pode fazer você de queixo caído ou até se acabando de rir com animações simples, mas fieis a spritework original, mantendo um pouco o tom leve da franquia.
Explore, lute e mergulhe em uma grande aventura
Dragon Quest III é bem tradicionalista em termos de JRPG, e isso tem seus méritos e deméritos por si só. Ele não é tão “Old-School” ao ponto de ser frustrante, igual foi com Eiyuden Chronicle: Hundred Heroes desse ano; mas ele também não é uma releitura de Dragon Quest III com aspectos do XI em mente, ele é o próprio Dragon Quest III com muitas melhorias no quality of life e adições narrativas e em gameplay. Mas ainda é na base de tudo, o jogo de Famicom.
A exploração do mapa ainda ocorre com os sprites do personagem em um formato “gigante” andando pelo mundo (embora nesse caso, eles tenham melhorado o senso de escala, com os reinos tendo um modelo maior no overworld, fazendo eles se destacarem mais e não serem engolidos pelos personagens). E também temos as batalhas, que são com base em encontros aleatórios, por sorte. Eu notei que o espaçamento entre os encontros está bem generoso, então batalhas constantes não são um problema.
Quando o jogo abre mais o mundo, você descobre algumas coisas legais: como habilidades novas em seus personagens quando os mesmos sobem de nível , ou passivas após um combate, como um mercante conseguir mais dinheiro de batalhas. Mas também em várias áreas secretas que o jogo tem em espalhado, algumas com segredinhos interessantes que tem a ver com as novas adições do jogo.
Em matéria de ritmo do jogo, diria que você vai passar 30% dele no overworld, uns 50% em dungeons dedicadas e, se você estiver com um foco meramente em encerrar o jogo, uns míseros 20% do seu tempo será gasto nas cidades. Mas cuidado, nesse remake existe a pequena chance de encontros aleatórios ocorrerem em meio das cidades durante a noite, mas nunca tive a sorte – ou no caso, o azar de ocorrer comigo – mas no geral, a não ser que você esteja em busca de um item super específico, eu evitaria a noite.
Receita antiga, mas com adições novas
Como mencionei no último tópico, o jogo adiciona alguns quality of life que tornam este JRPG Old-School um tanto mais palatável nos dias de hoje. Quer seja em uma variedade de opções de dificuldade, incluindo as mais fáceis, como também a opção de acelerar o combate em duas categorias acima da velocidade normal: “Fast” e “Ultra fast”.
Porém, DRAGON QUEST III HD-2D Remake também apresenta conteúdo novo, com algumas expansões na história de Ortega, o pai do herói, que você pode encontrar por aí, além de alterações no texto que fazem com que o III seja o ponto perfeito para se iniciar, ao invés do I & II, mas isso é apenas falando dos pontos narrativos, claro. O remake também agrada em entregar novidades de substância!
A classe “Monster Wrangler”, por exemplo, é uma inteiramente nova em Dragon Quest III e tem base em classes de outros jogos de DQ. Ela é uma classe que aprende golpes de monstros para usar em combate e que vai evoluindo com a outra novidade do jogo: a Monster Arena, um local inteiramente novo onde você pode usar monstros NPC’s que resgata pelo overworld para lutar por você, com alguns prêmios deste torneio sendo muito bons no early game.
Eu tenho notado uma tentativa do Yuji Horii (criador da franquia) de tornar a série Monsters cada vez mais relevante, e como alguém que acredita que Dragon Quest Monsters seja um monster-tamer superior ao que temos de popular no mercado, eu estou ansioso para essa “reviravolta” do gênero, especialmente depois de Dark Prince surpreender em vendas.
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Levando corpos em um caixão fechado
Apesar de todos os aspectos positivos que mencionei e de como eu falei que essa review seria completamente enviesada, eu não posso negar alguns aspectos que somando aos poucos foram tornando a minha experiência uma menos agradável, além de claro, dar uma opinião rápida sobre a controvérsia que cerca esse jogo desde junho.
Quanto às ditas “censuras” nem vou me dar ao trabalho de comentar, são mudanças bobas que já estavam presentes em outras mídias e jogos da franquia Dragon Quest, e o HD-2D Remake apenas padronizou. Tendo dito isso, algumas alterações como mudar o nome do reino de Isis para Ibis, apesar de compreensível, é mais uma prova de como um grupo que se associa a um nome ou símbolo pode manchar algo que por si só é completamente inocente. Então essa é uma reclamação boba da minha parte, mas é uma reclamação válida.
Minhas maiores críticas ao jogo, porém, são sobre seus cenários, que claramente são lindos e em minha opinião melhor usam o estilo HD-2D do que qualquer outro jogo da equipe do Tomoya Asano; mas isso vem com um custo: o framerate do Switch cai drasticamente em áreas florestais e próximas a rios com uma água corrente… Honestamente isso me dá uns flashbacks da Korok Forest de Breath of the Wild antes de patches de correção.
Uma crítica menor e que possivelmente se deu ao quão rápido eu consumi o jogo (ele é curtinho, só tem cerca de 15 – 25 horas se você correr com as coisas) é que rapidamente o combate pode ser entediante se você estiver fazendo grind para coisas como experiência e/ou dinheiro. Mas o jogo não é tão difícil ao ponto de tornar o grind obrigatório, mas não é tão fácil ao ponto de você se garantir apenas batendo em inimigos com ataques fortes.
Pormenores, o jogo não ter português do Brasil é um baita balde d’água fria, mas a esse ponto eu já espero isso de RPG’s da Square Enix que não sejam Final Fantasy.
Estas críticas refletem a minha opinião sobre o jogo, mas em um geral, elas são muito mínimas ou muito “pessoais” para eu considerar um demérito da gameplay em si. Mas são aspectos que recomendaria para a equipe de desenvolvimento olhar, seja para patches futuros da versão de Switch, ou para ajustar alguns aspectos no remake do I & II!
Encerrando a jornada do dragão
O Nintendo Switch, a cada dia que passa, se torna uma plataforma ideal para aqueles que querem jogar mais e mais JRPG’s, e com esse remake a Square conseguiu retornar a série mainline de Dragon Quest após um hiato de cinco anos desde um jogo numerado, com o lançamento do XI S! E eu devo dizer que este retorno era justamente o que eu esperava de um jogo no escopo de Dragon Quest III.
Há muito tempo eu estive guardando uma nota aqui no site para um jogo especial, e posso dizer com toda certeza no meu peito que esse jogo mereceu a nota que darei, e espero que caso vocês eventualmente o joguem, possam ter a visão de compreender essa nota.
E dando um toque final a essa review: descanse em paz, senhor Toriyama, apesar de você não ter feito os renders dos personagens desse jogo, o charme presente em seus designs originais ainda brilha forte em cada arte e pixel. (nós até fizemos um artigo apontando o seu impacto e evolução em Dragon Quest e Chrono Trigger)! Onde quer que esteja, espero que esse lançamento o agrade.
Prós:
- Um remake fiel de um dos JRPG’s mais marcantes do passado;
- Melhorias na quality of life do jogo, aprimorando muitos aspectos e o modernizando;
- Expansões na história que te fazem conectar mais com essa trilogia;
- Adições significativas no jogo que adicionam umas boas horas de conteúdo extra, como a Monster Arena.
Contras:
- Um combate que pode ficar repetitivo se você estiver no grind;
- A falta de uma localização PT-BR;
- Quedas de framerate nas áreas mais bonitas do jogo.