
A noção de propriedade, no que se refere a um jogo de videogame, sempre foi cercado de incertezas. Afinal de contas pagar – ao menos no Brasil – uma boa quantia naquele joguinho do Super Nintendo, Wii U, 3DS e Nintendo Switch, nos assegura o legítimo direito por esses produtos? A perda de popularidade das mídias físicas – ao menos fora das plataformas Nintendo – meio que acentuaram as discussões sobre o assunto e nos fazem pensar. Se existe uma diferença entre posse e propriedade (lembrei das aulas sobre Feudalismo), podemos dizer que em igual proporção há uma diferença entre licença e propriedade.
Essa licença, óbvio, nos permite jogar, emprestar e vender o jogo, sem ter o direito sobre a propriedade intelectual. Junto a essa temática, no entanto, outro assunto que é meio derivativo do debate é a ideia de preservação dos acervos eletrônicos. Na medida em que as mídias físicas – comuns nas primeiras gerações de consoles – estão, de certa forma, confinadas às plataformas das quais foram lançadas anos atrás. Como jogar o acervo dos jogos do finado Sega Saturn, DreamCast e NeoGeo, se não existem consoles capazes de proporcionar o acesso a isso? É um campo nebuloso que acabou criando brecha para a emulação e pirataria.
As mídias digitais e o resgate dos acervos

O processo de digitalização dessas mídias permitiu um resgate parcial de tais acervos e deixou ainda mais clara a ideia de posse, mas não de propriedade. Em muitas plataformas, os serviços online fomentam de forma positiva a preservação. É através desses serviços que a Nintendo, na era Wii e Wii U, nos permitiu ter acesso a clássicos jogos da SEGA e da própria gigante japonesa com o Virtual Console. Essa política, no entanto, não teve terreno fértil e acabou se mostrando um ensaio que logo foi abandonado pela empresa. Algo que vai na contramão da própria indústria, na medida em que podemos perceber uma política de preservação nas concorrentes Sony e Microsoft, através da retrocompatibilidade.
O Nintendo Switch, dessa forma, representou uma ruptura com uma política de acessibilidade de jogos vista no seu antecessor. Talvez a própria implementação desse serviço no WiiU seja algo ligado ao fracasso nas vendas e a necessidade de se cativar um público mais amplo através da nostalgia. De toda forma, o acesso aos jogos retrôs encontram-se limitados ao escasso catálogo de jogos do serviço online que, a conta gotas, recebe atualização de títulos do NES, SNES, SEGA Mega Drive e Nintendo 64 (esses dois últimos pagando-se mais, diga-se de passagem).
Dos ports ao “efeito ágio”

O fato é que, desde o lançamento do Nintendo Switch, em 2017, apesar de sermos presenteados com ótimos jogos e do console ter se mostrado um fenômeno, se normalizou a tendência de relançar games do seu antecessor a um preço cheio. O título de maior sucesso do aparelho – Mario Kart 8 Deluxe – é do Wii U (com alguns extras, é claro). E toda vez que há o anúncio de novas conversões, sem muitas novidades, do “incompreendido” aparelho que sucedeu o Wii, surgem as mesmas polêmicas: preço cheio, jogo retirado da loja e por aí vai.
Outro problema é que a falta de acessibilidade a certos jogos – em especial os da Nintendo – geraram uma espécie de “efeito ágio”, em que os preços praticados nesses títulos no mercado de usados, passassem a beirar valores absurdos, fazendo com que um cartucho do Nintendo 3DS ou o próprio portátil sejam muitas vezes mais caros do que o Nintendo Switch e seus jogos, por exemplo. Esse, obviamente, é um efeito cognato sobre as ações da política da empresa à revelia da vontade da mesma, mas que no fim atinge os consumidores de forma implacável por conta do princípio liberal da lei da oferta e da procura.
O fechamento da eShop do WiiU e 3DS
No mês passado, a Nintendo anunciou que vai encerrar os serviços da eShop (loja online da empresa) do Wii U e do 3DS, a partir de março de 2023. Os consumidores que tiverem adquirido algum dos cerca de dois mil títulos das lojas, continuarão a poder baixar e jogar normalmente mesmo com o fechamento, inclusive jogatinas online (ao menos por enquanto). Ainda assim, essa decisão, ainda que de forma indireta, tende a potencializar a prática abusiva de terceiros que citei acima, na medida em que cerca de mil e cinquenta desses dois mil jogos não possuem versões físicas.
Por outro lado, a decisão pode instigar a chegada de mais ports do Wii U para o Nintendo Switch (rumores de Metroid Prime circulam nas redes sociais há tempos), ao mesmo tempo que esvazia as reclamações vistas em outras conversões para o híbrido, como Donkey Kong Tropical Freeze, The Legend of Zelda: Skyward Sword e Pikmin 3. Outra consequência que podemos observar – por mais que não seja algo que tenha começado a partir disso – é que a decisão pavimenta ainda mais o caminho para a retórica de preservação através da emulação, além de instigar nos donos desses aparelhos a prática do desbloqueio, para continuar usufruindo dos seus jogos através da pirataria.
Como preservar?
A digitalização das mídias dos nossos amados joguinhos, esvaziou o senso de colecionismo e pertencimento, tão comum nos anos 90 e início dos anos 2000. Além de nos fazer refletir sobre a necessidade de preservação desses acervos, dado o seu caráter artístico, histórico e cultural. Mas, como fazer isso?
Essa preservação, mesmo com todas as possibilidades que temos atualmente, ainda sim é falha, na medida em que a presença da loja digital não assegura que determinado jogo estará para sempre disponível para sua aquisição. Prova disso é que na própria Steam possui jogos que vez ou outra somem do catálogo de compra por motivos diversos. Um dos casos mais recentes se refere a saída, das plataformas de compras digitais, de Jump Force, lançado no não tão distante ano de 2019, por conta de problemas ligados ao licenciamento dos personagens.
Na Nintendo, o limitado serviço que ela oferece no Switch para tal, junto ao anúncio do fechamento das lojas online do Wii U e 3DS – que irão cercear o acesso aos seus títulos – fomentam ainda mais esse debate. De todo modo, tal fato trouxe a luz que as discussões acerca da emulação e outros assuntos “polêmicos”, fogem a lógica maniqueísta de certo e errado.
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